“Rebeldias
de calaceiros trouxeram a língua portuguesa ao ponto em que hoje se
encontra. Sempre é mais fácil, para imagens e pensamentos plagiados
de segunda mão, aproveitar a expressão já poluída, do que ir ver,
nos antigos, como seria que eles os coariam em vernáculo.
Uma
das modas actuais é não empregar as palavras no seu sentido
preciso; as aproximações dos chamados sinónimos bastam. De aí,
naturalmente, a imprecisão e confusão de ideias. O conhecimento
exacto da significação das palavras é indispensável à expressão
pontual do pensamento. É essencial estudar os clássicos, não só
para escrever e falar com elegância, mas, sobretudo, para «saber o
que se diz», escrevendo ou falando.
E,
então, para alcançar a ponderação, o equilíbrio?
Um
livro onde a indignação estruge, crónica, perpétua, sem tréguas:
facilmente se lhe apercebe a falta de reflexão, e o interesse pelo
estado mórbido do autor substitui-se, pouco a pouco, ao que a
matéria tratada devia inspirar. Por fim, enfastia e até os melhores
argumentos do polemista se embotam, e os seus mais valentes golpes
nem ferem nem causam comoção de espécie alguma.
Na
grande maioria dos casos, estes escritores ferozes e furiosos são
reaccionários e, portanto, pessimistas…
O
pessimista: em pose literária, clamando contra a desilusão que traz
o comércio do mundo; contra a miséria e desconsolo desta pobre
terra em que vivemos; contra a infidelidade das mulheres, e a traição
e abandono dos amigos; nunca lhe acode perguntar e investigar sobre o
que a sua própria natureza, física e moral, concorreu para
enegrecer um quadro, que, para tantos outros, só tem riso e festas;
e se lho perguntam, irrita-se, levando logo à conta de estupidez ou
insensibilidade e nem dúvida sequer de que a vida seja outra
do que ele a descreve.
Por
via de regra, o escritor pessimista foi, em menino, uma inteligência
muito espevitada que se embotou, pouco a pouco, no correr dos anos…
Este
caso das inteligências precoces!...
Há,
com efeito, certos génios prematuros, que deslizam pelo estudo das
matérias mais variadas e difíceis, com desembaraço tal e tal
aproveitamento que, antes, parecem recordar do que aprender, mas
geralmente desaparecem ainda novos.
O
tipo mais comum é assim, como vários que conheci pessoalmente:
muito esperto, inteligente e espevitado em menino; já, aos trinta,
se especializara em gastronomia e, dos quarenta em diante, ninguém
lhe arrancava um conceito, uma palavra, uma exclamação, que se não
referisse às hemorróidas…
A
experiência da vida confirma o aforismo aventado pelos críticos
amaros: depois dos quarenta anos, é que é difícil ser inteligente!
Esse
fenómeno da obliteração da inteligência (tão viva, em geral, na
mocidade) com o andar dos anos é, sobretudo, sensível nas
populações germânicas (ou neolatinas?) onde os rapazes são
extraordinariamente animados, perspicazes, intuitivos, argutos,
audazes, e, quando vão para velhos, descambam na timidez, no
obscurantismo, na insulsez, e natural e insensivelmente se alistam na
ala dos ultraconservadores.
E
é, ali, também, que mais abundam as caras que simulam
admiravelmente a inteligência e que surpreendidas, um dia, por
acaso, na sua expressão verdadeira, causam pavor pelo abismo de
estupidez que desvendam”.
M.
Teixeira-Gomes,
“2.ª Parte de Miscelânea – Carnaval Literário”, pp-25-27,
Livraria Bertrand, 3.ª ed., 1993.
Sem comentários:
Enviar um comentário