Coimbra,
15 de Junho de 1945
– O
primeiro pedreiro que quebrou o arco, esse é que eu queria conhecer…
A conversa girava à volta do problema da criação, no seu aspecto
individual e colectivo.
– Então mas a catedral não é precisamente uma prova
irrefutável da arte por equipas? E Shakespeare e Camões e Goethe
não se fartaram de construir sobre materiais carreados por outros?
– Embora. Entro na Sé Velha ou na Batalha, e digo: Aqui, o
génio de tudo isto está na padieira da porta. Quem arredondou ou
ogivou, esse é que tem a glória. Quanto ao Camões e aos outros,
por cada cena que já estava imaginada antes deles, menos um valor. E
tanto se me dá que me chamem individualista, como não. Enquanto não
aparecer uma escola de ginástica que fabrique um Nijinski, em arte
sou pelo dom e pela predestinação.
Miguel Torga, “Diário
III”, pág. 101, 1954, Coimbra.
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