“O
CORO
Ora
bem. A mola está tensa. Tudo se desenrolará por si. É esta,
afinal, a comodidade da tragédia: damos um pequeno toque para que as
coisas comecem, um nada, apenas um olhar para uma rapariga que passa
na rua e ergue os braços; um desejo de dignidade e de glória, numa
manhã ao acordar como se se tratasse de algo que se come; uma
pergunta a mais feita certa noite… É o suficiente. Depois, basta
deixar correr. Estamos tranquilos. Gira tudo só, com minúcia e
precisão. A morte, a traição, o desespero estão lá à espera, e
também os relâmpagos, as tempestades, os silêncios. Todos os
silêncios: o silêncio que rodeia o carrasco, quando este ergue o
braço para o fim; o silêncio que rodeia dois amantes quando, pela
primeira vez, surgem na sua nudez, um em frente do outro, sem ousarem
dizer uma palavra; o silêncio… quando os gritos da multidão
ressoam em redor do vencedor – dir-se-ia um filme ao qual
suprimiram o som e que nos mostra um conjunto de bocas abertas, das
quais nada sai, como um clamor que não passa de simples imagem; e o
vencedor, agora vencido, sòzinho no meio do seu silêncio… é
decente, a tragédia. É repousante, acertada… No drama, com todos
os seus traidores, todas as suas ruíns pessoas, toda essa inocência
perseguida, esses vingadores, esses terras-novas, esses fornecedores
de esperanças, com tudo isso, o drama torna-se um perigo de morte,
como um acidente. Poderíamos salvar-nos; o bom rapaz talvez pudesse
chegar a tempo com os polícias. Na tragédia estamos tranquilos.
Estamos, desde o início, em família! Numa palavra: estão todos
inocentes! Não importa que haja um que mata e outro que morre. É
apenas uma questão de distribuição. E, além disso, a tragédia é,
sobretudo, repousante porque sabemos que não há lugar para a
esperança, essa horrível esperança; quando se é apanhado, quando
se é apanhado como um rato, com o peso do céu sobre as nossas
costas, e só nos resta gritar – não gemer ou queixar-se –
gritar a plenos pulmões o que se tem para dizer, o que nunca se
disse e que, talvez, há momentos ainda não sabíamos que iríamos
dizer. E para nada: para o dizermos a nós próprios. No drama
debatemo-nos porque esperamos sair dele. É ignóbil, é utilitário.
Na tragédia, tudo é gratuito. É para reis. Enfim, não há nada a
tentar!”
Jean
Anouilh, “Antígona”, pp. 67-8, Editorial Presença, Lisboa,
1965. Trad. Manuel Breda Simões.
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