“E em 1999 os amish venderam doze vezes mais moinhos (de café) e velas e batedores de claras etc. do que era costume porque as pessoas temiam que o BUG DO MILÉNIO paralisasse os electrodomésticos e o fornecimento de energia eléctrica. Os sociólogos diziam que o medo de avaria dos sistemas electrónicos que pusesse fora de serviço as televisões e os micro-ondas e as caixas de multibanco era fruto de um milenarismo subconsciente e recalcado e algumas pessoas presumiam que iria tratar-se de um momento fatídico na história da civilização ocidental que levaria ao caos e a convulsões sociais e outras coisas que tais e haveria de permitir à sociedade ocidental libertar-se da ditadura tecnológica e entrar numa nova era que seria harmónica e espiritual e mística. E nalguns países os governos imprimiram reservas de dinheiro e no Canadá o governo organizou exercícios de evacuação de populações e em Inglaterra e na Dinamarca os cidadãos armazenaram reservas de açúcar e farinha na banheira e na Finlândia os farmacêuticos esgotaram os stocks de iodo cuja utilização era recomendada no caso de uma catástrofe nuclear e os Finlandeses temeram que o BUG DO MILÉNIO pusesse fora de serviço os sistemas de segurança nas centrais nucleares russas. Os sociólogos diziam que o BUG DO MILÉNIO fazia parte da lógica do imaginário social da era moderna e que no século XX o mal tinha assumido a forma de algo infinitesimal e que as pessoas já não tinham medo das coisas grandes e complicadas como a locomotiva etc. mas dos átomos e vírus e genes e priões. E os psicanalistas diziam que o BUG DO MILÉNIO no fundo desempenhava na vida da sociedade o papel do parricídio que haveria de permitir o prazer e a luxúria à nova geração tecnológica.”
Patrik
Ouředník,
“Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 114-15 ,
Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.
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