“Nos
anos cinquenta os protagonistas dos filmes copulavam sobretudo em
campos de trigo porque os campos de trigo estavam associados à
juventude e à nova vida que esperava os jovens protagonistas e o
vento acariciava as espigas e no horizonte punha-se o Sol e os seios
das mulheres inchavam e nos anos sessenta os protagonistas dos filmes
copulavam nas ondas da maré nas margens do oceano porque isso era
romântico e a areia colava-se-lhes à pele e viam-se-lhes os
traseiros e acima da água levantava-se a maresia. Nos anos sessenta
também surgiram os primeiros filmes pornográficos em que se
copulava quase o tempo todo e nos lugares mais diversos. E nas
revistas para jovens raparigas as redactoras mais experientes
explicavam como fazer sexo oral bem feito etc. E nas revistas para
jovens rapazes os redactores mais experientes explicavam como evitar
a ejeculação precoce e como enfiar o preservativo sem que a
rapariga o notasse. E as agências de publicidade inventavam anúncios
para preservativos e reflectiam sobre a melhor forma de se interpelar
os jovens espectadores (aqui está um bom exemplo de como
seria confuso usar o novo acordo ortográfico: “jovens
espetadores” Nota
RAR) e houve uma agência que se lembrou de fazer
clipes publicitários em que copulavam diversas figuras dos contos de
fadas como a Branca de Neve e a Cinderela e princesa Pele de Burro e
Xerazade. Também em filmes artísticos cada vez mais se copulava mas
os críticos diziam que não era a mesma coisa porque o que estava em
causa não era a cópula enquanto tal mas a sua representação. E
quando nalgum filme artístico a cópula era abundante diziam que
esse filme expressava a nossa actividade entomológica perante o amor
e que estava bem assim porque tal nos permitia reflectir melhor sobre
o papel da cópula não só no contexto antropológico cultural ou
político mas igualmente na vida humana. Nos anos setenta os
protagonistas dos filmes copulavam sobretudo dentro de automóveis
porque isso era original e a vida não parava de acelerar e os jovens
espectadores que não tinham carro podiam assim imaginar o que os
esperava na vida. E cada vez mais os homens estavam deitados por
baixo e as mulheres estavam montadas em cima deles porque entretanto
se tinham emancipado. E nos anos oitenta surgiu o sexo por telefone e
os homens marcavam diversos números onde mulheres lhes diziam ao
auscultador ESTOU A FICAR MOLHADA ou ENFIA-MO ATÉ AO FUNDO ou
DEIXAS-ME SABOREAR? etc.”
Patrik
Ouředník,
“Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 60-1,
Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.
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