30/11/2018

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“Quando as pessoas deixaram de acreditar em Deus começaram a procurar uma forma de exprimir que o mundo era absurdo e inventaram o futurismo e o expressionismo e o dadaísmo e o existencialismo e o teatro absurdo. E os dadaístas quiseram acabar com a arte e faziam obras de arte com base em coisas com que antigamente não se faziam como arames e fósforos e palavras de ordem e títulos de jornal e listas telefónicas etc. e diziam que se tratava de uma arte nova e absoluta. Os futuristas escreviam versos cheios de interjeições como por exemplo KARAZUK ZUK ZUK DUM DUM DUM e faziam a apologia de uma tipografia expressiva e os expressionistas e os dadaístas escreviam versos em línguas novas e desconhecidas para mostrar que todas as línguas se equivaliam fossem ou não compreensíveis por exemplo BAMBLA Ó FALLI BAMBLA e os surrealistas por seu lado apregoavam a escrita automática e metáforas pouco habituais como por exmplo A MINHA BANHEIRA DE CORTIÇA É COMO O TEU OLHO DE MINHOCA e explicavam porque o sentido desse verso jorrava dele de forma espontânea e que era precisamente isso que era físico e metafísico ao mesmo tempo. Os existencialistas diziam que a metafísica estava em decadência e tudo era subjectivo mas que a objectividade ainda assim existia e que lidávamos mal com a situação porque o mais importante era a intersubjectividade. E que o que estava em causa era que tudo fosse autêntico e que a história e o seu curso decorriam da questão filosófica de saber se o Homem é capaz de comunicar de forma autêntica e se fosse esse o caso a história poderia fazer mais sentido que até então nomeadamente se fosse renovada a instância transcendental. E os linguistas diziam que a comunicação era apenas uma questão do modo de desconstrução e que há maneiras diversas de desconstruir. E as pessoas idosas diziam que a comunicação estava em maus lençóis porque as pessoas já não eram capazes de se olharem nos olhos e que desviavam o olhar mal se encontrava com o de outra pessoa e que hoje em dia as pessoas já só olhavam nos olhos os cegos.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 71-2, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.


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