“Quando
as pessoas deixaram de acreditar em Deus começaram a procurar uma
forma de exprimir que o mundo era absurdo e inventaram o futurismo e
o expressionismo e o dadaísmo e o existencialismo e o teatro
absurdo. E os dadaístas quiseram acabar com a arte e faziam obras de
arte com base em coisas com que antigamente não se faziam como arames e
fósforos e palavras de ordem e títulos de jornal e listas
telefónicas etc. e diziam que se tratava de uma arte nova e
absoluta. Os futuristas escreviam versos cheios de interjeições
como por exemplo KARAZUK ZUK ZUK DUM DUM DUM e faziam a apologia de
uma tipografia expressiva e os expressionistas e os dadaístas
escreviam versos em línguas novas e desconhecidas para mostrar que
todas as línguas se equivaliam fossem ou não compreensíveis por
exemplo BAMBLA Ó FALLI BAMBLA e os surrealistas por seu lado
apregoavam a escrita automática e metáforas pouco habituais como
por exmplo A MINHA BANHEIRA DE CORTIÇA É COMO O TEU OLHO DE MINHOCA
e explicavam porque o sentido desse verso jorrava dele de forma
espontânea e que era precisamente isso que era físico e metafísico
ao mesmo tempo. Os existencialistas diziam que a metafísica estava
em decadência e tudo era subjectivo mas que a objectividade ainda
assim existia e que lidávamos mal com a situação porque o mais
importante era a intersubjectividade. E que o que estava em causa era
que tudo fosse autêntico e que a história e o seu curso decorriam
da questão filosófica de saber se o Homem é capaz de comunicar de
forma autêntica e se fosse esse o caso a história poderia fazer
mais sentido que até então nomeadamente se fosse renovada a
instância transcendental. E os linguistas diziam que a comunicação
era apenas uma questão do modo de desconstrução e que há maneiras
diversas de desconstruir. E as pessoas idosas diziam que a
comunicação estava em maus lençóis porque as pessoas já não
eram capazes de se olharem nos olhos e que desviavam o olhar mal se
encontrava com o de outra pessoa e que hoje em dia as pessoas já só
olhavam nos olhos os cegos.”
Patrik
Ouředník,
“Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 71-2,
Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.
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