“Sete-Pedras,
4 de Agosto de 1942 – (…) Hoje, numa das minhas peregrinações
por esta terra portuguesa, que eu amo como um namorado, fui descobrir
numa quinta perdida entre milharais e ramadas uma mulherzinha que me
fez saltar o coração no peito. A criatura tinha estrume nas mãos,
uma rima de netos à volta, os dentes podres, e tudo quanto era
preciso para ser dali; mas havia nela um nada indefinido e suspeito
que me arrebitou a orelha. Reparei melhor. Penteava o cabelo sem
risca, puxado ao alto, andava duma maneira particular, brilhava-lhe
nos olhos um sorriso fino, irónico, e falava do Porto como do único
sítio do mundo onde a gente se podia lavar à vontade. Com jeito, lá
cheguei ao fim – a um cartão que dizia isto:
Carolina
Michaëlis de Vasconcelos
Declara
que M.R. a serviu durante anos,
É
limpa, fiel, e sabe do seu ofício.
Miguel
Torga, “Diário
II” 3ª ed. Revista, pp. 48-49, Coimbra Editora, 1960.
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