Vila
Nova, 6 de Julho de 1936 – Aqui
tenho à mesa de
cabeceira o último livro ainda a cheirar à tinta da tipografia. Não
há dúvida nenhuma que o concebi, que o realizei, e que, depois
disso, com os magros vinténs que vou ganhando por estes montes,
consegui pô-lo em letra redonda – a forma material máxima que se
pode dar a um escrito. E, contudo, olho esta realidade que eu tirei
do nada, que bem ou mal arranquei de mim, com o mesmo desânimo com
que olho uma teia de aranha. E não é por saber de antemão que o
livro vai ser abocanhado ou ignorado. Não obstante a lei natural que
aconselha a que não haja homem sem homem, é preciso que a santa
cegueira do artista lhe dê a força bastante para, em última
análise, ficar só e confiante. Ora eu tenho, como artista, essa
cegueira. O meu desalento vem duma voz negativa que me acompanha
desde o berço e que nas piores horas diz isto: Nada, em absoluto,
vale nada.
Miguel
Torga, “Diário I”, pág. 24, 1941, Coimbra.
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