1
Enfio os mocassinos do meu tempo nos pés
e piso a senda lenda dos meus antepassados.
Hoje, sou eu que passo o cabo das tormentas nos cafés
quando vomito a Índia nos lavabos.
Se Egas Moniz foi herói
duma bravata bonita
eu sou quem paga o resgate
da história que me limita
A linda Inês dos meus olhos
foi reposta em seu sossego
não há hidroenergia
que ressuscite o Mondego
não há barragem que estanque
o nosso caudal de medo
não há sonho que levante
o sonho que é hoje infante
na ponta de um pesadelo.
Ai flores Ai flores de lapela
flores de plástico e feltro
filigrana caravela
que estás cada vez mais perto
filha de Vasco da Gama
dado como pai incerto.
Partem tão tristes os pés
de quem te arrasta consigo
tão andados tão modernos
tão vazios de sentido
tão queimados deste inferno
que têm as solas gastas
e o caminho puído.
Partem tão tristes os pés
de quem te arrasta consigo:
passeiam
andam
desandam
param
perseguem
persistem
caminham
calculam
correm
doem detêm desistem.
Partem tão tristes os tristes
tão fora de chegar bem!
2
Lá vem o teddy-poeta
que não tem nada a dizer
filho família do mar
que lhe morreu ao nascer
parasita das palavras
que tem no banco a render
e se gastam, como a voz
dum povo que vai morrer.
Lá vem o tédio-poeta
que não tem nada a perder:
Vem numa hora de bruma
depois do café com leite
depois do banho de espuma
que lava o sal e o cheiro
a fingir que se levanta
dum leito de nevoeiro.
Chega de Alcácer Quibir
com escorbuto na alma
e morre, mas devagar,
neste mar-asma de calma.
JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS, “Resumo”, pp. 40-2, Lisboa, 1972.
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