É indiscutível
que a história mais sobrecarregada de desastres é a da fava.
Segundo
parece, inicialmente terá prosperado no Afeganistão e nas encostas baixas do
Himalaia, de tal modo que no ano 6500
a . C. já se encontrava difundida – talvez pela própria acção
da natureza, vento, etc. – nas próprias costas do Mediterrâneo, e a partir daí
foi uma invasão completa.
Nos
primeiros tempos de Roma, já era conhecida desde as próprias origens, e, quando
não havia cereais, moíam a fava até obter uma farinha com a qual faziam papas,
pão, etc., a que deram o nome de lomentum
(a farinha de trigo chamava-se pulmentum).
De
qualquer modo, não é de estranhar. Encontraram-se favas nas ruínas de Tróia.
Não deixa de ser curioso o caso dos Egípcios: depois de um período inicial de
entusiasmo, chegou-se ao extremo fanático de «nem sequer olhar para elas». Nessa altura, destacou-se um grupo de
sacerdotes, que Pitágoras conheceu durante as suas viagens; segundo estes
sacerdotes, qualquer fava podia abrigar o espírito de um defunto por
transmigração.
Mas
havia também outros considerandos: se o sol incidia sobre elas, o seu odor era
o mesmo do esperma do homem. Quando germinavam, adquiriam uma forma que imitava
o órgão sexual feminino, e muitas outras «preciosidades», qual delas a mais
anedótica. Esta propaganda, pelo menos no essencial, foi trazida por Pitágoras
na sua bagagem quando regressou do Egipto, para onde viajara inicialmente com
uma certa carga de prata e ouro que lhe permitisse pagar uma boa aprendizagem
das ciências egípcias (de certeza que aprendera algo mais do que as teorias
sobre a fava, embora estejamos convencidos de que lhe foram escamoteadas as
doutrinas essenciais).
E
temos então o principal inimigo grego das favas. Não se resumiu apenas à
manifestação de um desejo. A doutrina egípcia ia-se espalhando, de tal modo que
Empédocles (mais um supersticioso) de Agrigento – um local doentio no que diz
respeito a estes temas – se preocupou em divulgar que «fava» significava
«testículo». Outro personagem ilustre afectado pela mesma fobia foi Plutarco,
que atribuía à sua ingestão sonhos altamente licenciosos, coisa impossível de
manter durante muito tempo sem um mínimo de verificação empírica; não deixando
assim de seguir a «linha freudiana».
No
entanto, e apesar de tudo isso, a maioria dos Gregos comia favas sem qualquer
escrúpulo, e gostavam especialmente da verde, o que fez com que aumentasse as
plantações. Por esse motivo, Pitágoras, perseguido em Metaponte, onde escapou de
uma morte certa ao encontrar-se perante um campo de favas, coerente com aquilo
em que acreditava, optou sem hesitação por deixar que o capturassem (talvez,
tenha pensado que podia transmigrar para uma daquelas favas).
Mas
tudo isso não foi um problema apenas dos Gregos. Alguns romanos também tiveram
receio das favas pelo pormenor fúnebre, segundo eles, de alguns pontos negros.
Já no final do Império Romano, S. Jerónimo voltou à carga e proibiu-as às suas
religiosas por razões idênticas às de Plutarco e porque «inquietavam» (sic), faziam titilar «os genitais». Partamos do princípio de que ele estava convencido
disso. Outros, para mudar um pouco, afirmavam que as favas poderiam ser uma
causa de esterilidade. Qualquer destes aspectos sempre foi motivo de grandes
debates. Na época medieval, com outra mentalidade, insistir-se-á em que as
favas provocam flatulência. Entretanto, e tanto quanto sabemos, a farinha de
favas não teve perseguidores. Na bacia mediterrânica, prosperou igualmente a
almorta no estado silvestre, que podia ser moída para se obter farinha. A
alfarroba foi outro grande meio de resolver problemas durante as grandes
crises. Farinhas deste tipo existiam desde a mais remota Antiguidade, mas o
destaque vai para a castanha que, pela sua farinha e por si mesma, obteve uma
outra identidade.
César
Aguilera, “História da Alimentação Mediterrânea, pp.56-57, Terramar, Lisboa,
2001.
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