No início não havia
mais que uma raiz de lágrimas isto é, o meu país
e a distância era o meu cordão. Desatei-me
e no verdor árabe afundou-se-me o sol.
A civilização é uma maca, uma padiola,
a
cidade
rosa
pagã,
tenda:
Assim começa ou termina o relato.
A distância era o meu cordão. Juntei os meus vínculos
eu, cratera astral,
e escrevi a cidade
(quando a cidade era uma caravana atracada e os seus
lamentos
fúnebres
eram as muralhas da Babilónia),
escrevi a cidade
como ressumbra o alfabeto,
não para turvar as feridas
não para ressuscitar as múmias
antes para reviver as diferenças… O sangue
une a rosa ao corvo
Para reduzir as pontes
e lavar os rostos tristes
exangues pelos séculos .
Escrevi a cidade
qual profeta que caminha até à morte
quero
dizer, o meu país
o meu país
eco
eco, eco…
A letra ba tirou o
véu da cabeça
a xim é um montão
de cabelos, fenece, fenece.
O álif, a primeira
letra, fenece, fenece.
Ouço soluçar a ha.
enquanto a ra,
como o crescente lunar,
afunda-se nas areias e com elas se funde,
fenece, fenece,
sangue coagulado que subitamente flui no deserto das
palavras.
Sangue que tece desastres e trevas
Definha, desaparece,
esgotada já a magia da tua história!
Concede-nos o vosso perdão e a vossa graça,
ai, chifres das gazelas,
redondos olhos dos antílopes…
Vacilo, a cada instante te vejo, país meu,
numa
imagem.
Agora levo-te à minha frente, entre o meu sangue
e a minha morte: és rosa
ou
sepulcro?
Vejo-te, uma fileira de crianças arrastam
as suas entranhas, escutam e obedecem,
prosternam-se diante dos cadeados, mudam
de pele com cada golpe de chicote… Rosa
ou
sepulcro?
Feriste-me de morte, mataste as minhas canções
És
revolução?
ou
matadouro?
Vacilo, a cada instante te vejo, país meu,
numa
imagem…
Ali, com a tua história assassinada às costas,
vais perguntando à luz de choça em choça:
«Disseram-me
que tenho uma casa
como a minha casa em Jericó,
que tenho irmãos no Cairo
que a fronteira de Nazaré
está em Meca.
Como é
que se transformou o conhecimento
em grilhões
e a distância num cerco de fogo,
em vítima?
Por isso rejeita o meu rosto a
história?
Por isso não vejo nenhum sol
árabe
no horizonte?»
Ah, se tivesse conhecido a comédia, a farsa!
(Podes chamá-la de sermão do califa, podes nomeá-la
vésperas ou Carnaval).
Têm dois maestros de coro:
um afia o gume à guilhotina
outro rebola no pó. Se tivesses conhecido
a farsa…
Como? Por onde resvalas-te
entre a nuca do decapitado e a lâmina da guilhotina?
Adónis, in "Éste es mi nombre", pp.29-35, Allianza Editorial, Madrid, 2006
versão da tradução Castelhana de Frederico Arbós Ayuso por RAR.
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