Nos últimos
meses reli algumas das minhas novelas e foi estranho, não me lembrava dos
demónios, demónios e anjos que nascem uns dos outros como numa gravura de
Escher (e não me lembrava que os livros são feitos de tempo, alguns livros e
estamos velhos, mais alguns e estamos mortos). O que terá acontecido à jovem que no fim de uma história entrava na vivenda do outro lado da rua? E quando passo na casa
que há dois anos era a Villalilla (os
lilases estão de novo em flor), lembrou-me de como me senti nos meses que se
seguiram à escrita da novela, estava perdida e não consegui encontrar o caminho
de volta, nunca consegui, não sei se eles ainda estão lá, sentados no muro do
fundo do jardim, descendo o caminho nas rochas para mergulharem no mar. E Jane
Frost, onde estará agora? No lugar onde a deixei, ela não podia escapar.
Sentada junto à lareira no seu paraíso reencontrado, enquanto a neve cai lá
fora. Acho que ela tinha algo de uma personagem de Ray, talvez o andar de
vagabundo que sabe que não pode voltar a casa (como Robert Mitchum no princípio
de The Lusty Men). E, no entanto, é
possível voltar a casa, Jim Wilson e Jane Frost encontraram o caminho para casa…
Mas eles são apenas fantasmas, por momentos esqueci-me de que eram eles os
fantasmas. E vou ver novamente In a
Lonely Place, ele chama-se Dixon Steele, é escritor, tem toda a solidão das
personagens de Ray (e a amargura, e a violência, e o cansaço), sabe que a vida
é impossível, mas ainda procura alguém, ainda acredita que o amor pode salvar.
E, como Laurel Gray, eu gosto muito do seu rosto.
Ana Teresa Pereira, “O Sentido da
Neve”, pp. 40-41, Relógio D’Água, Lisboa, 2005.
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