LISBOA
No bairro de Alfama os carros eléctricos amarelos chiavam
nas subidas.
Ali havia duas prisões. Uma era para ladrões
que acenavam através das grades.
Gritavam, queriam ser fotografados.
“Mas aqui”, disse o guarda-freio com um risinho de
hesitação,
“aqui estão os políticos.” Olhei para a fachada, a fachada,
a fachada,
e no último andar, a uma janela, vi um homem
com um binóculo a olhar para o mar.
Roupa que fora lavada secava pendurada ao sol. As pedras dos muros
estavam quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde, perguntei a uma senhora de Lisboa:
“Aquilo era mesmo verdade ou fui eu que sonhei?”
(1966)
p.21
O BARCO – A ALDEIA
Uma traineira portuguesa, azul, enrola um bocado do
Atlântico.
Bem ao longe, um ponto azul, mas eu estou lá. Onde seis
homens a bordo
não veem que nós somos sete.
Assisti à construção de um barco destes, parecia um alaúde
enorme sem
cordas
na ravina de pobreza: a aldeia onde lavam e lavam sem parar,
com fúria,
paciência, melancolia.
A praia apinhada de gente. Era um comício que fora
dispersado, os altifalantes
confiscados.
Soldados levaram o Mercedes do orador por entre a multidão,
apupos rufavam
contra as chapas do veículo.
(1978)
p.29
Tomas Tranströmer, “50 Poemas”, Relógio D’Água, Lisboa,
2012.
Trad. Alexandre Pastor.
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