04/04/2012

Lá p'ro fim acabaram juntos...


Fermoso Tejo meu, quão diferente
Te vejo e vi, me vês agora e viste:
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Claro te vi eu já, tu a mim contente.

A ti foi-te trocando a grossa enchente
A quem teu largo campo não resiste
A mim trocou-me a vista em que consiste
O meu viver contente ou descontente.

Já que somos no mal participantes,
Sejamo-lo no bem. Oh! quem me dera
Que fôramos em tudo semelhantes !

Mas lá virá a fresca primavera:
Tu tornarás a ser quem eras dantes,
Eu não sei se serei quem dantes era.

In «Poesia de Rodrigues Lobo», Editorial Comunicação, col. «Textos Literários», Org. Luís Miguel Nava, p.308, Lisboa, 1985.

LOBO, Francisco Rodrigues
[N. Leiria, 1573-1574? – m. rio Tejo, 1621]

         "Poeta lírico, épico e grande prosador seiscentista, a sua biografia contém ainda muitas lacunas que é impossível preencher no estado actual dos nossos conhecimentos. Não se encontrou até hoje registo fidedigno da data do seu nascimento. Ricardo Jorge, fundamentando-se na informação dada pelo poeta na dedicatória da Corte na Aldeia, onde diz ter nascido «em idade em que já a de Portugal era acabada», sustenta que ela não poderá situar-se antes de 1580, quando já não havia corte portuguesa (ob. cit, p.22). Selma Pousão-Smith, por outro lado, sugere a data de 1573 ou 1574, e não a de 1580. Baseia-se para isso noutra dedicatória, a que é dirigida a D. Francisco Mascarenhas, conde de Santa Cruz, na Primavera e Segunda Parte dos Romances de Francisco Roĩz Lobo, de Leiria (Coimbra, 1596). Aí Rodrigues Lobo afirma ter vinte e um anos por altura da composição da obra. O problema está em saber em qual das dedicatórias teria sido o escritor mais exacto ou menos dado a lapsos de memória. Como, porém, na primeira asserção é genérica e na segunda ele indica os anos que então teria, posto que contraditórias sejam as informações prestadas, regista-se aqui como mais provável a segunda, embora debaixo de caução. Por outro lado a data da morte foi definitivamente fixada por Carlos Alberto Ferreira, como sendo a de 24 de Novembro de 1621.
              
  Oriundo de uma família abastada, que tudo indica fosse de cristãos-novos, matriculou-se na Universidade de Coimbra (1593-1594), onde se bacharelou em Leis (13 de Maio de 1602), não exercendo qualquer profissão, porque tinha decerto independência de meios que lhe permitiu dedicar-se às letras. A sua vida foi pouco movimentada, porque residiu quase sempre em Leiria ou arredores, cuja paisagem exalçou frequentemente nos seus poemas, fazendo visitas ocasionais a Coimbra, Lisboa, Vila Viçosa, e a solares de fidalgos da sua amizade. Em condições algo misteriosas, morreu afogado no Tejo, em dia de temporal (R. Jorge, ob. cit, p.9).
         
       A sua obra poética é constituída por um volume de Romances (1596), pela trilogia pastoral – A Primavera (1601), O Pastor Peregrino (1608) e O Desenganado (1614) –, O Condestabre de Portugal, poema heróico, celebrando os feitos de Nun’Álvares Pereira (1610), Jornada de D. Filipe III hizo a Portugal, em verso castelhano (1623), e Éclogas (1605). O seu bucolismo desenvolve-se na linha de Bernardim Ribeiro e ressuma uma profunda tristeza de amores ausentes. Cultiva também com grande finura e mestria a melhor tradição camoniana e retém a moralização conceituosa de veia mirandina. Em prosa publicou a Corte na Aldeia e Noites de Inverno (1619), constituída por dezasseis diálogos, onde aborda com fina ironia temas de natureza cultural e sociológica: a conduta do «discreto» ou cortesão; a excelência da língua portuguesa; os géneros literários; a arte de contar; a importância da história nacional e do tempo em que havia corte em Portugal; as carreiras profissionais e a sua função na vida social do reino. A beleza e a maturidade do estilo fazem desta obra um clássico da língua portuguesa."

in ‘Dicionário Cronológico de Autores Portugueses – Volume I’, Publicações Europa América, Mem Martins, pp. 326-328, 1991.

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