”«No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no meio do caminho tinha uma pedra. // Nunca me esquecerei desse acontecimento / na vida de minhas retinas tão fatigadas. / Nunca me esquecerei que no meio do caminho / tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / no meio do caminho tinha uma pedra.»: eis o vendaval que Drummond de Andrade perpetrou na década de 30 no seio da comunidade literária.
Raramente um poeta, para mais inoculando pelo ritmo e pela repetição um leque de significados em materiais tão humildes, conseguiu clarificar tão eficazmente um núcleo imóvel, i. é, o que se manifesta durante (e apenas nesse momento) o acontecimento seminal que lhe abole a dualidade do interior e do exterior. Se a pedra «desencadeia a reflexão, pois cria a aporia que está no princípio de todo o querer saber» (David Arriguci Jr.), a repetição sugere que «no meio do caminho» Drummond partilhou algo vasto e incognoscível (daí o espanto e a afasia que a repetição sublinha) cujo mistério ele nunca poderia descodificar ou iniciar e que empurrou o poema para uma experiência aberta, para um território propenso à «mise en danger». Talvez porque «Esta vida / de que falo / não se escoa, não alimenta os superlativos / diários. É única / e perene sobre a escondida fluência / dos movimentos». (HH) “
António Cabrita in «Combate de Flautas», pp. 7-8, &etc, Lx, 2003.
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