09/10/2011

A fatal-lista...


I

Voltou de Pondichéry no meio
de sedas damascos diamantes concubinas
o cordão de ouro da mãe
não serviu para pagar
a edição dos seus poemas
mas para pagar a passagem
para Pondichéry
onde veio a fazer fortuna
nenhuma musa teve a caridade
de gelar a tinta no seu tinteiro
também nunca lhe faltou o pão com queijo branco
nem o papel
tanto o papel para escrever poemas
como o papel de carta
escreveu cartas a Diderot
a que juntou poemas
Diderot nunca lhe respondeu
no regresso recebeu-o com frieza
dei-lhe um conselho sensato
o que é que queria mais?
a obstinação do poeta de Pondichéry
em escrever poemas que Diderot acha maus
é como a de Sísifo
mas há uma diferença
nos montes não há pedras boas e pedras más
e nos livros há poemas bons e poemas maus
as concubinas as sedas os damascos e os diamantes
não o consolam de escrever maus poemas
emenda muito os seus poemas
os papéis que  os herdeiros vão encontrar
depois da sua morte
parecem palimpsestos
mas as emendas são como um eczema
sobre uma pele de que nunca se gostou

2.XII.1985

Adília Lopes in «O Poeta de Pondichéry seguido de Maria Cristina Martins», p.13, ed. Angelus Novus, Braga-Coimbra, 1998.
O Poeta de Pondichéry seguido de Maria Cristina Martins de Adília Lopes




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