António Cabrita, foto retirada daqui |
ROSA COM ESPINHOS
O que invejo nos sages é o que não gosto
na sua literatura. Falta-lhes em Susto & Cólera
o que sobra em Graça, como se abstraídos
do adocicado com que o morto ao segundo
dia empesta o ar. Sou um compulsivo
leitor de sages mas sei que no último fôlego
o ouriço sonda o que há de macio no traseiro
do invisível e o fogo se atiça com a água.
Abro a boca e logo um sage se senta
ao colo de uma sílaba, é imediato, tenho
a boca cheia de santos, ainda que a afro-
-china que acabou de passar é que
me levasse ao engano. Contradições,
arestas, obstáculos, situações: o sal
da poesia, ainda que pareça impertur-
bável a sua líquida transparência. Mas,
o gume da luz naquela face engoliria tudo.
Do pouco que estimo em Bukovski
Adoro este verso, «Nasci para roubar rosas
nas avenidas da morte». Rosas com espinho.
António Cabrita in «Piripiri Suite seguido de Visions de L’Amen», p.41, Ver o Verso, 2007, Maia.
COLÓQUIOS COM O MEU GATO, 2
Não distinguir entre os frutos
da insónia e os frutos insones
pode ser a desgraça do poeta.
Quem livra de dissabores
o crente que não separa
Deus da sua mudez? Não
te tomes por mente subtil
e refinada p’la arte. A maçã
rola de uma para outra
mão até despertar no ramo?
Não dispõe a vida sobre
o tampo os resguardos,
como moedas cambadas?
Baldeou-te um golpe de ar,
um golpe d’ar, um golpe…
António Cabrita in «Piripiri Suite seguido de Visions de L’Amen», p.43, Ver o Verso, 2007, Maia.
Piripiri Suite seguido de Visions de L’Amen - Poemas da Distância Incomum -, ed. Ver o Verso, Maia, 2007. |
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