ESTA FORÇA
"Um texto. Letra de forma com os outros na Imprensa. Todos para serem lidos. Este é para estar no Suplemento Literário do jornal «República». E assinado. Por mim. E eu sei que ele tem que ser lido. Até ao fim. E se não for lido até ao fim por todos, por alguns, é lido ao menos por um. Até ao fim. Aconselho pois aos todos e alguns que parem aqui. Porque eu estou só a obrigar que me leiam até ao fim sem que eu diga nada. Porque eu não estou a dizer nada. Estou a dizer o que estou a dizer. Mas pode ser que lá para o fim eu diga qualquer coisa que não deva dizer. Por isso isto vai ser lido até ao fim. E quem ler isto até ao fim, vai ver comigo o que é obrigado a ler quem é obrigado a ler isto até ao fim. Não é que eu tenha qualquer coisa de pessoal contra uma pessoa que, por qualquer razão, tenha que ler isto até ao fim. Eu até nem conheço nenhuma assim. Mas já que tenho de pensar numa só pessoa que não conheço quando estou a escrever coisas, acho que hoje vou pensar só nessa pessoa. Aliás sem prejudicar ninguém, porque eu já avisei que isto era para uma só pessoa que, essa, tem que me ler, e sempre vou ganhando o meu escrevendo isto até ao fim. E o fim da leitura disto é quando eu quiser, nem antes, nem depois. Porque eu aqui não digo absolutamente nada. Toda a gente que tenha lido até aqui, e uns é porque querem, e outro é porque tem de ser, vêem que eu não disse nada de nada. E se isto fosse um livro e eu quisesse e um editor tivesse um feitio desses e mo comprasse, trezentas páginas nisto, ainda assim teria de ser lido até ao fim. Esta é a força da escrita aqui – ser escrita e ser escrita e ter que ser lida aqui. Força reconhecida pela lei é só essa. E bom dia. Eu só queria que tivesse por lei que ler bom dia. E tem.
In República, 12.10.1972"
Maria Velho da Costa, “Desescrita”, pp.65-66, Afrontamento, Porto, 1973.
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