in situ de Marçal dos Campos no espaço Campanhã - Porto, 2009. |
in situ de Marçal dos Campos no espaço Campanhã - Porto - Quando negativo!... |
SETE OITAVAS EM PROSA
SOBRE LUIZ DE CAMÕES
Luís Pignatelli
Luiz, poeta nosso, tens
sido pau para toda a colher.
Vê lá tu como te têm
pintado: de olho vazado, não se
sabe ainda se o
esquerdo se o direito, obra parece da
moirama, em Ceuta,
quando nostálgico pensavas na tua,
nossa Pátria tão amada, um ramo de loureiro na
cabeça,
semelhando os que se
põem às portas das casas de
pasto, como se a tua
Glória tivesse que ser comprovada
com qualquer
penduricalho académico!
Vieram depois as
fitas, ó meu deus do celulóide!, e
foram as borradas que
se viram: engatatão de tricanas
no Mondego, ou
arrebenta, em Lisboa, para gáudio
de gentes de farto
patilhame, ou Amálias cantarem, es-
tornicando os dedinhos
no sentimento franjado dos
sofisticados merinos,
que raio de pachorra temos tido, ó
Luiz nosso, com estes
malandrins, que ainda há muitos,
para enterrar de vez,
mijar-lhes em cima.
Também o martírio da
escola havia de chegar, para grande
susto das crianças que éramos: esse rosário de
ora-
ções a dividir, o olho
do professor brilhando, rapace, mais a
cacafonia da almaminha, mai-la chateza das sabenças dos
mestres Pimpões, ódio
era o que tínhamos por ti, ó Luiz
nosso, daí nada
sabermos do teu nascimento, da tua vida,
das paixões tuas,
mágoas sem remédio, contentamentos
descontentes.
É claro que medalhas,
medalhinhas, medalhonas, sempre
as tiveste, e
discursos, presidentes, artesanatos, edições
de bolso (é ver o
nosso Leão que tão bem se tem repimpa-
do nesta matéria), não
te faltaram nunca, mas do teu na-
dar ensinando o amor
da Pátria, tão desgraçada ainda.
Quem tem dado por
isso? Que espécie de Povo te tem
lido? No largo de teu
nome em bronze te deixaram, para
a deletéria defecção
de turísticas pombas.
Só muito tarde
descobrimos, meu fintador do real, a for-
ma como passaste a
perna a esses padrecas que te queri-
am dar uma
fogueirinha, mas dos rigores do Inverno sa-
bias tu, meu sefardim,
até que naquela triste e leda ma-
drugada te foste desta
Casa, meu forçado, lírico emigran-
te, dinheiros que
mandaste, versos de ouro, quem os dizi-
mou? Ao Povo que te
amava, que disseram? Sabiam teu cora-
ção ferido, ferida
corça, os dizimados bosques?
Bonito moço o foste
sempre, qual ceguinho, qual quê!
Sabias tanto de
geografia, artes de marear, que até cha-
teava, por isso é que
não te enganaste no caminho, e a
nado, o que é ainda
mais difícil, meu recordista mundial,
mas quanto a direitos
de autor, nicles! Os safados
pensavam que não havíamos
de ter nunca um Francisco Re-
belo, uma Sociedade de
Autores, mas enganaram-se, os ar-
ganazes, acabou-se-lhes
a mama.
Os que só te queriam
comemorativo, estão lixados, vais
ser de todos os dias,
acabaram-se os cárceres dourados
dessa gentalha, as
quetes, a lágrima oficial para o poeta
desgraçadinho, já te
temos no nosso lado,
aliás como sempre teu
desejo, e esta é a
primeira Manife tua,
coisa digna e grande de ser vista,
e a reacção não passará,
, vê só como gritam o teu no-
me, Luiz amigo, Poeta
nosso, o Povo está contigo.
In Revista Camões 2/3, dir. Óscar Lopes, Editorial Caminho, Lx, 1980.
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