“Sade não gosta do pão. A razão é
duplamente política. Por um lado, o Pão é emblema de virtude, de religião, de
trabalho, de esforço, de necessidade, de pobreza, e é como objecto moral que deve ser desprezado; por outro
lado, é um meio de chantagem: os tiranos escravizam o povo ameaçando
tirarem-lhe o pão; é um símbolo de opressão. Por isso, o pão sadiano é um signo
contraditório: moral e imoral, condenado no primeiro caso pelo Sade
contestatário e no segundo pelo Sade republicano.
Todavia,
o texto não pode limitar-se ao sentido ideológico (mesmo contraditório): ao pão
cristão e ao pão tirânico, acrescenta-se um terceiro pão, um pão «textual»;
este pão é uma «amálgama pestilencial de água e farinha»; como substância faz
parte do sistema propriamente sadiano, o corpo; é suprimido da alimentação dos
serralhos porque produziria nos indivíduos digestões impróprias à coprofagia.
Assim giram os sentidos: carrossel de determinações que não pára em parte
alguma e de que o texto é o movimento perpétuo.”