"Fragmento “Fundação e Manifesto do Futurismo”, 1908, publicado em 1909, no Le Fígaro.
“Então, com o vulto coberto pela boa
lama das fábricas – empaste de escórias metálicas, de suores inúteis, de
fuligens celestes -, contundidos e enfaixados os braços, mas impávidos,
ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos da terra:
- Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da temeridade.
- A coragem, a audácia e a rebelião serão elementos essenciais da nossa poesia.
- Até hoje a literatura tem exaltado a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o murro.
- Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo… um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.
- Queremos celebrar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no circuito de sua própria órbita.
- O poeta deve prodigalizar-se com ardor, fausto e munificência, a fim de aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
- Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas para obrigá-las a prostrar-se ante o homem.
- Estamos no promontório extremo dos séculos! …. Por que haveremos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Vivemos já o absoluto, pois criamos a eterna velocidade onipresente.
- Queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo da mulher.
- Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo tipo, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.
- Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos a maré multicor e polifônica das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas: as estações insaciáveis, devoradoras de serpentes fumegantes: as fábricas suspensas das nuvens pelos contorcidos fios de suas fumaças; as pontes semelhantes a ginastas gigantes que transpõem as fumaças, cintilantes ao sol com um fulgor de facas; os navios a vapor aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de amplo peito que se empertigam sobre os trilhos como enormes cavalos de aço refreados por tubos e o voo deslizante dos aeroplanos, cujas hélices se agitam ao vento como bandeiras e parecem aplaudir como uma multidão entusiasta.
É da Itália que lançamos ao mundo este
manifesto de violência arrebatadora e incendiária com o qual fundamos o
nosso Futurismo, porque queremos libertar este país de sua fétida
gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários."