16/06/2013

Carry Down...



“Don Luis não tardou a chegar. Ouvi o seu carro alguns instantes mais tarde e ele entrou acompanhado por dois homens: um que se dizia mexicano, de quem me vinguei mais tarde em Portugal, e outro de que já não me lembro.
                Não sei durante quanto tempo ficámos todos imóveis – julgava tê-los presos com os meus olhos –; o mexicano ria-se, os outros permaneciam petrificados. Foi Don Luis, creio, que finalmente rompeu o encanto. Como a minha atenção tivesse diminuído momentaneamente, José e Mercedes lançaram-se sobre mim e arrastaram-me para fora do quarto. Seguiu-se então meia hora infernal: eu segurava José e Mercedes pelas mãos e já não conseguia larga-los, estávamos colados uns aos outros por uma força dominadora, ninguém podia falar nem mexer-se. Por meio de um violento sobressalto da vontade, consegui soltar as mãos das deles; toda a gente se pôs então a falar com uma rapidez terrível. Se eu pegava nas mãos deles, o silêncio reinava imediatamente e os olhares ficavam novamente pregados uns aos outros; isto durou talvez várias horas. Isto era para mim o resultado duma brincadeira infernal de Don Luis provando-me que, se eu quisesse ligar-me ou fraternizar com José e Mercedes, seríamos ligados fisicamente como irmãos siameses, e que, no caso contrário, o seu próprio poder reapossar-se-ia de mim para me destruir.
                O dia seguinte era sem dúvida domingo, pois ainda ouço o som dos sinos vindo do exterior e os ruídos de passos de cavalos que me deram uma terrível nostalgia e o desejo de fugir. Parecia-me impossível comunicar com o mundo exterior e perguntava-me quem quereria ajudar uma pessoa, vestida com um lençol e munida dum lápis, a chegar a Madrid.”

Leonora Carrington, “Em Baixo”, pp.30-31, Black Sun Editores, Lx, 1990.
Trad. (Carlos Leite)

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