PANORAMAS DO BRASIL
Nos parques dormem
mendigos
enrolados em jornal.
Os notivados
insectos,
crepitam e
desabafam.
A nebelina cobre a
rua
obumbra as feições
da lua,
faz dos transeuntes
espectros.
Imerso em meus
devaneios,
assobiando cantigas
que inda no berço
aprendi,
eu sigo perambulando
vendo coisas
espantosas
que não supunha
existir.
Que fazem as negras
cingidas em postes
de iluminação?
passei-lhes por
perto
nenhuma me viu
estão obtusas
de tanta cachaça,
de tanta desgraça
e desilusão.
São negras sedentas
famintas e nuas
chorando nas ruas,
trazendo no bucho
pecados alheios,
dormindo? Coitadas
pelos escaninhos
e pelas sarjetas
dos templos sagrados
aonde ressoam
tranquilos e fartos
os gordos sicários
do meigo Jesus.
No botequim
a ruiva de henné
no colo do homem
ao qual explorava
com gesto fútil
às vezes sorria.
Na boca postiça
sorriam postiços
seus dentes de louça
No meio da noite
é o pederasta,
tipo numeroso,
que acha os boémios
em altos clamores
de tara mental.
Os que se aproximam,
desejam dinheiro
para o bacanal.
Um guarda-nocturno,
obeso e cafuzo,
em roncos suínos
de besta saciada,
tirava cochilos
num carro esquecido
que à beira da
estrada
dormia também.
De madrugada,
meio a neblina,
e que ce acirram
e recrudescem
trôpegos passos
soturnos ecos
da dura faina
das prostitutas.
Gatos que vivem ao
léu
dão uma nota de
instinto
fornicando nos
telhados
e canteiros
desfolhados
de madames
irascíveis.
De vez em quando o
berreiro
dos automóveis que
passam
conduzindo mariposas
para o amor de
milionários.
Depois retorna o
silẽncio
onde seus passos
explodem
como flores
apagadas.
O mundo é só, quem
te espera?
Os bares não têm
amigos,
mulheres não têm
sorrisos,
as estrelas
feneceram
na madrugada sem
fim.
Só globos de luz
vegetam
boiando na escuridão
como que vindo de
longe,
fazendo as vezes de
estrelas
luzeiros do engenho
humano,
iluminando a sarjeta
onde rola a perdição
E quando amanhece
e o dia estremece
saltando nos céus,
ninguém reconhece
as coisas que vê.
O mundo girando,
os ricos gozando,
os pobres penando,
os párias
morrendo...
a vida correndo...
Alguns ressonando
em camas de pene,
em leitos de pedra
em leitos de pedra
vão outros dormir.
E o mundo girando
a vida correndo
e os deuses sorrindo
sorrindo e chorando
das coisas que vêem.
E o mundo girando
e o dia passando
e a noite chegando
e os homens gritando
de fome e de dor.
Mário-Henrique
Leiria, “Depoimentos Escritos”, pp. 59-63, Editorial Estampa,
Lisboa, 1997.