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20/02/2013

«Pimenta à frente, e nus traseiros!... (*)»


(*) Foi a exclamação que tive ao deparar-me com o anúncio da nova exposição do Museu Leopoldo em Viena d'Austria... Após de há uns tempos atrás ter lido o poema do Alberto Pimenta que aqui reproduzo.

6

chama-se Tim
o homem
em exposição no museu
e adormece
depois do intervalo
do almoço

acorda-o
o vigilante
há um potencial comprador
que o quer ver
e ele acorda e
estende a língua

mas o interessado
não quer a língua
manda baixar as calças
quer ver o acabamento
da tatuagem das costas
que por morte do homem
é o que está à venda
com a pele das ditas

assim reza o contrato
talvez hoje ainda não
amanhã poderão ser milhões
para os artistas
Tim
o que forneceu
e Wim
o que adquiriu
grande gesto
aquela tela viva
que agora expõe no
L’
ouvre
mas ouvre o quê

a arte abriu
nos graffiti das cavernas
como abre
nos muros de hoje

nos museus
estão bens
da economia financeira
nem âme vivante

se além da pele
abrirem a cabeça destes dois
encontram um neuromealheiro
em forma de neuroporca
recém-parida

está bem
a arte de museu
foi até há pouco
carne à venda

por que não há-de sê-lo
outra vez

Alberto Pimenta, 
“De Nada”, pp28-29, Boca – palavras que alimentam, Lda., 2012.






info da expo: 


16/02/2013

Sena dizia: a «Poetaria»...


cinco

poetria
sempre a poetria
a delicada hora da poetria
de preferência antes de jantar
porque a seguir
poetria bebe do fino
e depois às vezes
não sabe o que diz

de qualquer modo
a poetria
a que embala
as donas de casa
e tem banca no templo
ou vice-versa

essa
faz parte dos ciclos
menstruais nacionais
até o ministério gosta dela
porque ela é boa
doce como o porco e
trata as alterações biológicas
como coisa do espírito santo

quem aprecia congelados
tem ainda o festival
da poetria
pode-se vir
há muitas disputas
em directo
e também em playback

ah
aquela vida de artista
solene e graciosa
viajando com a mala
cheiinha de poetria
e de mash-ups
mais um grande festival
promete muitos rabos e orelhas

alguém disse uma vez
que a poetria está a anos-luz
que é uma supernova
quer dizer
brilha muito
aos olhos de todos
mas na verdade
já não existe

de facto ela
ainda dá ares de existir
meia moribunda
porque a sua função
era ampliar o mundo
não
reduzi-lo ao tamanho de cromos

não
não é uma supernova
tem a vida artificialmente prolongada

o que nos momentos próprios
chegou a fazer faísca
agora só faz bocejar
como andar em topless
entre nudistas
tal e qual queridos

adorais a valeta
a dos outros
a doença terminal
a dos outros
a loucura
a dos outros
daí a vossa melancolia de classe
a vosso medo de não ganhar
maior que a vossa tristeza de perder

a nós outros
o tempo
passa-nos por cima

a vocês
parece que não passa
fica em cima como o de Proust
o que costuma acontecer
nessa posição
é sabido
e é vossa conquista

se restassem deste mundo
só os livros de poesia
os arqueólogos mais tarde
pensariam
que neste tempo
não aconteceu nada
a não ser afiar os cabos das facas

as vossa leituras
são a ver o mar
mas a vossa poesia olha o mundo
como um ecrã de televisão
com um grande vazio de árvores

os pássaros quando aparecem
pousam no chão

com Schubert no ouvido
uma elegia
ao pássaro em cima do rochedo
podia vir a calhar
com os ecos uns dos outros

era bom
que o pássaro voasse

o problema é esse mesmo
ele não levanta voo

quando passar este tempo
de sombra total
do corpo e do espírito
vocês partirão
sem haver no cais
a despedir-se
nem terão já a quem acenar
com o vosso lenço de papel
manchado
de tinta de choco

o que nos divide é um véu espesso
não
não podemos ser amigos


Alberto Pimenta,
in “De Nada”, Boca – palavras que alimentam Lda., pp. 73-76, 2012.

«de nada»...