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07/06/2011

Sobre a «Crise» - Parte II

(O comissário europeu da Economia e Finanças, o finlandês Olli Rehn)

Continuação da Parte I já publicado neste blog
II. Cenários e o ceteris paribus.

O tratamento dos factos sociais como objectos por parte das ciências sociais (muito centrada em previsão de cenários – optimistas, pessimistas e realistas – conjugados com dados estatísticos e previsões históricas) submete estes saberes ancestrais a tendências e padrões subjacentes ao nível cénico atendido. Isto contribui para que se crie argumentos generalistas baseados no pressuposto do ceteris paribus[1] – «que se tudo se mantiver constante o mesmo acontecimento repetir-se-á invariavelmente». Um princípio de isolamento artificial que assegura a nas mesmas condições uma reprodução dos mesmos efeitos – um experimento. Uma proposição útil quando aplicado à física mas não tão eficaz quando transposto para as ciências sociais, principalmente nas previsões de longos prazos onde a infinidade de acontecimentos que podem advir do decorrer do tempo praticamente impossibilita a credibilidade de qualquer cenário.

A objectividade científica dos cenários tem nas ciências sociais, a função de apresentarem modelos fidedignos da realidade dos fenómenos e instituições sociais, para determinar a origem e compreensão dos mesmos, e posteriormente traduzir uma tendência (que tem por base o método comparativo de analogias e diferenças verificadas em períodos anteriores) estabelecendo previsões que assumem como certo que as mesmas causas provocarão os mesmos efeitos se ceteris paribus. Em Economia, por exemplo, é corrente o uso desta proposição (ceteris paribus) para a elaboração de cenários de previsão que deste modo anula alguma da complexidade inerente aos acontecimentos sociais e às suas inter-relações. As previsões de longo prazo (mais de 30 anos) apesar de imprecisas são constantemente usadas por indiciarem uma maior amplitude da especulação mesmo quando a comprovação, a sua verificação ou refutação é adiada para um futuro, permite no entanto estabelecer uma pré-visão evolutiva do que será esse devir.

Sobre o uso destes cenários para uma engenharia social as palavras de Karl Popper são explícitas:
“A economia não pode, portanto, dar-nos nenhuma informação importante sobre a reforma social. Só uma pseudo-economia pode pretender servir de base a um planeamento económico racional. A economia verdadeiramente científica apenas pode ajudar a revelar quais são as forças impulsionadoras do desenvolvimento económico em diferentes períodos históricos. Isso pode ajudar-nos a prever os contornos de períodos futuros, mas não pode ajudar-nos a formular e pôr em prática nenhum plano pormenorizado de um novo período.” (Popper, 2007, pp. 48-49)

Os usos destes ensinamentos ancestrais em actuais manuais de gestão só podem pretender referir-se ao encontro de regularidades que são desveladas à medida que se progride dentro de um cenário. Regularidades que inúmeras vezes são hipotéticas; quando se tratam de variáveis que dependem de outras mas que para efeitos de observação são isoladas casualmente ou temporalmente num ceteris paribus.

Os cenários são o equivalente das ciências sociais aos laboratórios das ciências naturais com a diferença de o conhecimento em si não ser a finalidade – antes a elaboração da previsão correcta. Neste ponto alcançamos a situação problemática das previsões a que Karl Popper sugeriu o nome de efeito de Édipo.
“A ideia de que uma previsão pode influenciar o acontecimento previsto é muito antiga. Na lenda, Édipo matou o pai que nunca vira antes; e isto foi consequência directa da profecia que levara o seu pai a abandoná-lo. É por esta razão que proponho que se dê o nome de «efeito de Édipo» à influência da previsão no acontecimento previsto (ou, em termos mais gerais, à influência de uma dada informação na situação a que a informação diz respeito), quer essa influência tenda a dar origem ao acontecimento previsto, quer tenda a impedi-lo de se concretizar.” (Popper, 2007, p.17)
            Os cenários são elaborados interpelando a sociedade na sua constituição social presente (organização) – para dela retirar os dados necessários à realização de previsões. Mas devemos interrogar-nos até que ponto a execução de cenários de previsão não irá influenciar e precipitar as condições existentes na sociedade. “Num caso extremo, a previsão pode até causar o acontecimento que prevê: é possível que o acontecimento não tivesse ocorrido se não tivesse sido previsto. No outro extremo, a previsão de um acontecimento iminente pode levar à sua prevenção”. (Popper, 2007. p.19)

Rui Azevedo Ribeiro
CONTINUA...


[1] Ceteris paribus do latim “as de mais a par” ou “tudo o mais é constante” (Samuelson & Nordhaus, 1992, p.1111).

22/05/2011

Sobre a «Crise» - Parte I



I. Crise e Oportunidade.

Em 12 de Abril de 1959 o senador John Fitzgerald Kennedy proferiu num discurso[1] que “a palavra crise quando escrita em chinês[2] é composta por dois caracteres – um representa o perigo e o outro oportunidade.”
“When written in Chinese, the word crisis is composed of two characters– one represents danger and one represents opportunity.”   John F. Kennedy

Victor Mair, professor da cadeira de Língua e Literatura Chinesa e coordenador do departamento – Center for East Asian Language and Civilizations Studies na Universidade de Pensilvânia em Filadélfia nos Estados Unidos da América, num artigo disponível em www.pinyin.info/chinese/crisis.html, descreve o seu enorme esforço para denunciar o desentendimento generalizado do ideograma crise em mandarim – que este é constituído pela palavra perigo e oportunidade. Mair, neste artigo, informa que o desentendimento expandiu-se com uma forte conivência da indústria de edição que inclui essa mensagem sem verificar a sua autenticidade em vários livros de métodos de orientação de confiança. Muitos destes métodos, aliados a técnicas de gestão empresarial, têm a presunção de se constituírem em modernos manuais e cursos de ajuda. Onde o recurso a expressões orientais, que possam traduzir alguma sageza mística oriental, é utilizado como um ornato precioso para a venda de exemplares incorporando expressões energéticas e motivadoras (no sentido de um pensamento positivo face às contrariedades), tendo como principal característica de facilmente formarem sínteses e fórmulas apelativas para o senso comum. Estas expressões entram num descuidado ciclo de referenciação quando têm unicamente como fonte outros livros similares que já contêm o desentendimento, que desta maneira é repetido e propagado.

Vitor Mair, no artigo supracitado, informa-nos que a palavra crise em mandarim é weiji. E se o ideograma wei realmente significa perigoji não significa oportunidade. Oportunidade em mandarim é jihuì, sendo huì a palavra que designa ocasião. E ji, por si só, pode ser traduzido por máquina ou dispositivo. Porém não faz sentido, em mandarim, ler weiji como máquina ou dispositivo de perigo ou jihuì como máquina ou dispositivo de ocasião, por muita lógica que pudesse ter esta associação. Essa construção, essa morfologia gramatical não se verifica, ji como sufixo ganha inúmeros significado. Weiji é crise e crise também em mandarim significa um momento perigoso e decisivo. Não significa uma máquina de perigo e muito menos uma espécie de anagrama que solicita uma visão conjunta de perigo e oportunidade como Kennedy sugeriu.
  
A indústria de edição de livros tem demonstrado uma grande determinação em editar livros em que ancestrais ensinamentos orientais – como o Tao Te Ching de Lao Tzu (604-517 a.C.) mais conhecido como o livro do caminho e da sua virtude, um livro de provérbios e adágios (no sentido de sentença moral) chineses e que inspiraram as filosofias Taoistas; ou o Hagakure: O Livro do Samurai de Yamamoto Tsunetomo (1659-1719†); ou mesmo a Arte da Guerra de Sun Tzu (544-496 a.C.), para ditar apenas alguns exemplos – são convertidos em manuais de técnicas de iniciação ao empreendorismo. Estes escritos tinham na sua origem situações de crise, entendidas como momentos perigosos, em que era necessário tomar medidas muito urgentes e eficazes. Momentos como guerras e ameaças à soberania de um país ou soberano originavam a produção de saberes[3] tácticos e críticos, que em casos semelhantes de ancestralidade, foram retiradas da observação do funcionamento das leis orgânicas (como os seres se organizam e sobrevivem) na Natureza e, para ela remete o seu saber numa forma vincular. É disso um exemplo quando Sun Tzu acolhe um ditado chinês que diz que “o peixe apodrece pela cabeça” (Fayard, 2009, p.113) servindo-se dessa invariável da Natureza para elaborar um princípio estratégico que sugere a eliminação dos chefes e cabecilhas para conter uma ameaça.

Por essa altura, o estabelecimento em método destes saberes, surgia pela necessidade de fazer um registo para analogias vindouras. Propagar e conservar esses saberes era o motivo que se encontrava na proveniência da maior parte das obras acima mencionadas. A sua conversão, nos dias de hoje, para manuais de gestão força uma aplicabilidade. Esse saber estratégico, por vezes, descontextualizado da sua perspectiva histórica é, nos seus princípios e recomendações, apresentado numa versão simplificada, e sem a adequada revisão crítica, a fim de sugerir uma aplicabilidade presente ou particular que uma elaboração de cenários intencionalmente fixos para reduzirem a gama de possibilidades que determinada situação acarreta e isto é executado, para forçar e garantir a coerência e equiparação das estratégias ancestrais com as contemporâneas técnicas e métodos de gestão.

Rui Azevedo Ribeiro

CONTINUA...


[1] Convenção da United Negro College Fund, Indianapolis, Indiana. Discurso completo em www.jfklibrary.org/Historical+Resources/Reference+Desk/Speeches/JFK/JFK+Pre-Pres/189POWERS09JFKPOWEES_59APR12.htm
[2] Seria mais correcto dizer mandarim. Porém no contexto da guerra fria entende-se o uso mais popular e abrangente desta escolha, que segue um propósito ao longo do discurso de John Fitzgerald Kennedy – o da divisão do poder em dois blocos: de um lado os Estados Unidos e aliados e do outro a coligação sino-soviética.
[3] No sentido de um conjunto de artes ou habilidades para praticar uma operação.