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14/11/2011

Gombrowicz e a Neotenia (conservação de caracteres imaturos na maturidade)




“Ah! Bem-aventurados os poetas que, contentando-se com palavrear a respeito da Arte, empregam o estilo sublime dum Paul Valéry e nunca se abaixam a tais confrontações. Por que aquele que deste jeito abordar a nossa sublime missa de estetas há-de sem custo descobrir que este Reino da aparente maturidade se revela mais precisamente o mais ácido e o mais desolado galinheiro que a humanidade tem, onde unicamente reinam truques, embustes, snobismo, parvoíce e mistificação. E, é claro, há-de ser coisa salutar para a nossa lógica um tanto rígida demais imaginar de vez em quando o próprio Paul Valéry com o rosto dum arcipreste da Imaturidade, abade hilariante vagueando por aí, de pés descalços e em calções.”

Witold Gombrowicz in “Contra os Poetas, p. 84, trad. Júlio Henriques, Edições Antígona, Lx, 1989.


Por que razão não gosto eu da Poesia Pura? Isso mesmo, porquê? Mas pela simples e mesmíssima razão por que detesto o açúcar em estado puro! Para que nos serve o açúcar, senão para adoçar o café? Não poderíamos com certeza comê-lo à colherada como uma sêmola qualquer… O que enfada e cansa na Poesia Pura é o excesso de poesia, é isso mesmo, a superabundância de palavras poéticas, de metáforas, de sublimação – numa palavra, o excesso de condensação –, excessos esses que depuram estes textos de todo e qualquer elemento antipoético e cuja acumulação acaba por assemelhar o poema a um produto químico.”

Witold Gombrowicz in “Contra os Poetas, p. 85-86, trad. Júlio Henriques, Edições Antígona, Lx, 1989.


“Ataco a poesia, tal como ataco a Nação, tal como Ferdydurke atacava a ficção da Maturidade – sempre em nome da percepção espontânea das coisas pelo homem, em nome da humanidade nua. Ataco toda e qualquer Forma que deixe de ser o vestuário confortável do homem, transformando-se numa carapaça pesada e rígida. Ataco tudo o que cresce por si mesmo, contra nós, para nos ultrapassar. Como pode pois uma afirmação a tal ponto resultante de mim mesmo, parecer-vos de tal modo inesperada que agarram a cabeça com as mãos e se põem a gritar: ele está doido! Se tivessem querido abordar seriamente o meu artigo, teria sido necessário determinar, antes de mais, objectiva e positivamente, em que medida a minha afirmação, segundo a qual «ninguém, ou quase ninguém, gosta de poemas», é verdadeira. E aconselhava-vos eu que com esse fim se dirigissem às secções filosóficas e estéticas das universidades, convidando-as – em vez de se entregarem à produção de aborrecidas monografias e a uma repetição igualmente fastidiosa e vã – a nomearem comissões que fizessem experiências com as pessoas, a fim de determinarem as verdadeiras reacções perante os poemas, no sentido psicológico, e o seu grau de assimilação. Dever-se-ia verificar depois se aquilo que avanço é verdade, a saber: se as pessoas se comportam «como se os poemas as entusiasmassem», é porque uma pressão colectiva se constitui entre os homens, pressão essa que obriga o ser humano a entusiasmar-se. Conviria igualmente verificar em que medida esse constrangimento e essa violência que a colectividade exerce sobre o indivíduo, o Inter-Humano sobre o Humano, são justificados; até onde podemos nós, os seres humanos, aceitá-los.”

Witold Gombrowicz in “Contra os Poetas, pp. 112-113, trad. Júlio Henriques, Edições Antígona, Lx, 1989.