Hermann Broch (1886-1951) |
“Lucius interrompeu de novo: «Falar de honestidade na arte é sempre um tanto equívoco. Pode dizer-se de um artista que é honesto se se mantém fiel às regras tradicionais e eternas da arte, mas por outro lado também se pode dizer que é precisamente por isso que é desonesto, porque esconde o seu próprio eu atrás da tradição. Somos desonestos por fazermos o nosso mundo homérico? Serão os jovens desonestos por emularem Virgílio? Ou serão eles mais honestos ao cometerem faltas de gosto?»”
Hermann Broch, A Morte de Virgílio, Vol. 2, p.30, ed. Relógio D’Água, Lx, 1988.
“Eneias seguiu a morte até às sombras dos infernos e regressou de mãos vazias, ele próprio mera alegoria, sem salvação, sem verdade, sem a verdade do real, de tal modo que a sua ousadia pouco menos vã foi do que a do malogrado Orfeu, embora não tivesse, como aquele, descido aos infernos em busca da sua amada, mas sim por causa do seu antepassado primevo, fundador da lei; não, as forças não lhe tinham chegado para uma descida ainda mais profunda, e agora tinha, juntamente com o poema, de alcançar o nada, para que surgisse a realidade da morte, despedaçando a vã alegoria: «Não fiz mais do que circunscrever a morte com alegorias, Augusto; mas a morte é mais astuta do que os símbolos da poesia, e escapou-lhes… A alegoria não é conhecimento, não, a alegoria segue o conhecimento, mas antecede-o muitas vezes, qual pressentimento ilícito e imperfeito que apenas é utilizado pelas palavras, e então, em vez de penetrar no conhecimento, fica diante dele, encobrindo-o como um biombo escuro…»”
Hermann Broch, A Morte de Virgílio, Vol. 2, p.108, ed. Relógio D’Água, Lx, 1988.