QUESTÃO
DE TERRAS
“Quando o Ricardo Romarigues
me convidou simpàticamente para ir passar o fim de semana lá na
herdade, fiquei um pouco desconfiado.
Tinham-me contado que havia
querela entre ele e o doutor Estêvão Brás Tramagal, tudo por causa
de uma outra herdade, a herdade da Argola, que Ricardo tinha de
antiga e que o doutor Tramagal afirmava ser proprietário por
ocupação e cultivo. Dizia-se até que o doutor contratara malteses
sólidos para lhe defenderem a causa. Coisas de terras, não é?
Mas acabei indo, na minha
bicicleta.
Ao entardecer, quando
estávamos de conversa, tendo ao alcance das mãos magníficas
canecas de vinho esquentado à lareira e mastigando, com saborear
lento, excelentes rodelas de paio e pão trigal, estrugiu o ruído
inesperado lá fora. Corri à janela, espalmei o tabuado contra a
parede que olhava o espaço.
E vi.
Através da terra larga
avançava uma matula de porrete em punho, bigodes antigos, ar de
mundo já esquecido.
Pisavam duramente e berravam
em conjunto:
– Argola é nossa. Argola é
nossa. Viva Tramagal!
Pausa. Novo berro colectivo:
– Argola é nossa. Argola é
nossa. Viva Tramagal!
Era a briga.
Não tinha nada a ver com
aquilo. Fechei o tabuado o melhor que podia, puxei as calças que me
escorregavam embirrativamente e declarei ao Ricardo que, embasbacado,
parecia não acreditar no berro que chegava:
– Olha, aguenta-te.
Corri às traseiras, montei a
bicicleta e aqui estou.
Coisas.”
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