Coimbra,
5 de Maio de 1947 –
Esta rapariguinha vem
transtornada de Fátima. Tudo a deslumbrou. A multidão, o
espectáculo e o lugar. Sobretudo o lugar. Sentiu verdadeiramente que
havia nele qualquer coisa de sobrenatural, de divino.
E eu, então, falei-lhe de Roma. Contei-lhe que tanta emoção se
sentia nas Catacumbas, como no Coliseu, como debaixo de um arco de
triunfo. E visse o despropósito: nas Catacumbas, tinham vivido
cristãos; no Coliseu tinham lutado gladiadores com feras; e sob o
arco do triunfo tinham passado tiranos.
–
Concebo a sua fé, e respeito-a, – acrescentei. – Mas para que um
sítio qualquer fique carregado de uma electricidade emotiva, não é
preciso que Deus ou a sua Mãe venham cá a baixo. O homem é muito
capaz de uma façanha destas. Basta que um pastor ou um bispo se
resolvam a criar um mito. Então, as pedras transformam-se em
altares, e uma mangedoira no berço mágico de um redentor.
Miguel Torga,
“Diário IV”,
pág.
35,
1953,
Coimbra.
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