Coimbra,
18 de Maio de 1947 –
A maior desgraça que pode
acontecer a um artista é começar pela literatura, em vez de começar
pela vida. Cora-se de vergonha, depois, diante das ingenuidades
impressas, que são cueiros sujos e pretendem ser livros. Só a
experiência, a dor e o trabalho trazem a dignidade que uma obra
literária exige. Mesmo que não se tenha génio, pode-se, então,
ter compostura. E seja qual for a duração do que se escreve, uma
coisa ao menos os vindouros poderão respeitar: a nobreza do que vão
ler. Mas poucos sabem esperar pela hora da maturação. E antes desse
livro curado pelo fumo da vida, vêem-se quase sempre meia dúzia de
outros, infantis, imbecis, esquemáticos como o bê-á-bá. Penitet
me – creio que é a fórmula
do arrependimento.
Miguel Torga,
“Diário IV”,
pág.
41,
1953,
Coimbra.
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