“Toda
a nossa actividade literária é de uma mesquinhez atroz. Nós não
temos o direito de escrever.
Falo de nós todos. Postos de parte os Tónios e as Marias dos
imbecis, que nos fica? O romance de gabinete, essa porcaria
«inteligente», essa masturbaçãozinha de impotentes. Ou então, o
romancezinho «psicológico», em que se trata o homem com desprezo,
se vem contar, com petulância, como é feito por dentro e dá entre
nós um génio em cada cinco anos, esse romancezinho feminino que
Proust, como «mulher» que era, põs em moda. Sim, que só mesmo uma
mulher podia inventar essa coscuvilhice íntima, essas histórias, e
històriazinhas cheias de pequenininhas observações, esses períodos
longos e complicados como folhos e rendas de uma boneca. Contra mim
falo, meu amigo, ah, contra mim falo. Mas não há outra saída. E
todavia a hora é da ardência, do sangue!”
Vergílio
Ferreira, “Cântigo
Final”, pág. 22, Portugália Editora, Lx, s/d. (escrito em Évora
em 1956).
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