Marselha,
25 de Dezembro de 1937
– Viajar
não é bem como diz a Agência Cook. Aquela honrada companhia de
mostrar o mundo é, sem saber, uma espécie de agẽncia funerária
de uma prematura morte com guia e tudo. Viajar, num sentido profundo,
é morrer. É deixar de ser manjerico à janela
do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em
cansaço, em movimento, pelo mundo além.
Nesta
hora, aqui deitado na cama dum Hotel Continental qualquer, a ouvir os
passos de um milhão de pessoas na Canebière, que sou eu? Uma pura
ressonãncia morta de uma
vida longínqua.
Quando
amanhã me erguer, ressuscitar, e for outra vez manjerico na minha
terra, deste dia, desta hora, desta grande cidade, do que fui nela,
que
terei eu na mão? Nada, porque não foi nada aquilo que o Lázaro
trouxe da sepultura.
Miguel
Torga, “Diário I”, pág. 50, 1941, Coimbra.
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