25/12/2018

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Marselha, 25 de Dezembro de 1937 Viajar não é bem como diz a Agência Cook. Aquela honrada companhia de mostrar o mundo é, sem saber, uma espécie de agẽncia funerária de uma prematura morte com guia e tudo. Viajar, num sentido profundo, é morrer. É deixar de ser manjerico à janela do seu quarto e desfazer-se em espanto, em desilusão, em saudade, em cansaço, em movimento, pelo mundo além.
Nesta hora, aqui deitado na cama dum Hotel Continental qualquer, a ouvir os passos de um milhão de pessoas na Canebière, que sou eu? Uma pura ressonãncia morta de uma vida longínqua.
Quando amanhã me erguer, ressuscitar, e for outra vez manjerico na minha terra, deste dia, desta hora, desta grande cidade, do que fui nela, que terei eu na mão? Nada, porque não foi nada aquilo que o Lázaro trouxe da sepultura.

Miguel Torga, “Diário I”, pág. 50, 1941, Coimbra.

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