23/11/2018

...


“Os sexólogos diziam que a boneca Barbie era o primeiro instrumento para a construção de uma identidade feminina em rapariguinhas de tenra idade e que o êxito da boneca comprovava que existe uma sexualidade infantil. A sexualidade infantil deu muito que falar no século XX quando se chegou à conclusão que as rapariguinhas de tenra idade gostariam era de ter um filho do papá e que esse filho era no fundo um sucedâneo do pénis porque as rapariguinhas também gostariam de ter um pénis e que a boneca era como um filho do papá e um pénis em simultâneo. Durante muito tempo as bonecas eram unicamente fabricadas como rapariguinhas mas depois também começaram a ser fabricados bonecos rapazinhos e as bonecas rapariguinhas tinham entre as pernas uma fenda e os bonecos rapazinhos um pirilau. E nos anos setenta também começaram a fabricar-se bonecas negras ou castanhas embora a maior parte dos casos quem as comprava fossem pais brancos que assim queriam dar a entender que não eram racistas. O racismo era uma teoria do século XIX que dizia que as raças humanas tinham as suas especificidades inalteráveis e se encontravam em diversos graus de desenvolvimento e que os mais desenvolvidos eram os brancos que tinham um sentido inato para a organização da sociedade e o pensamento abstracto e convívio popular e um racista era uma pessoa que temia que a miscigenação das raças iria pôr em causa as especificidades brancas e minar o potencial genético que permitia aos brancos marcharem na vanguarda da humanidade. As pessoas que não gostavam dos Judeus não eram racista mas anti-semitas porque bem vistas as coisas os Judeus não eram considerados inferiores como por exemplo os Indianos ou os Ciganos etc. A palavra anti-semita apareceu no final do século XIX e designava uma pessoa que não desejava que os Judeus dominassem o mundo e instigava ao seus concidadãos à resistẽncia. O racismo tornou-se um importante problema social após a Segunda Guerra Mundial porque nos países europeus ricos se estabeleceram grandes minorias étnicas que a sociedade tinha de absorver. Existiam dois modelos de absorção de minorias étnicas a integração e a assimilação e a integração era posta em prática por aqueles países que acreditavam que na sociedade civil podem coexistir diversos modelos culturais e que mais vale não misturar um com o outro e preservar as especificidades de cada um e a assimilação era promovida nos países que acreditavam no universalismo e julgavam existir um interesse superior da sociedade a que se encontram subordinadas as especificidades étnicas e culturais. Durante muito tempo o modelo da assimilação era mais bem-sucedido que o da integração porque nos países que o promoviam não havia revoltas raciais como em Inglaterra ou na América mas no final do século quando se começou a falar em globalismo e mundialismo o universalismo passou de moda e cada um queria ter a sua própria identidade e ter orgulho na sua raça não no sentido de raça mas de civilização e viver de acordo com as tradições e voltar às raízes etc.”

Patrik Ouředník, “Europeana – uma breve história do século XX”, pp. 56-8, Antígona Editores Refractários, Lisboa, 2017.

Sem comentários: