09/08/2018

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Altar de Cabrões, 9 de Agosto de 1944 Estou a 1536 metros, perto do céu, a ver o Barroso, o Marão, a Peneda, a Serra Amarela e o Lindoso. Estou sentado num marco que separa Portugal de Espanha, mas o sítio chama-se Altar de Cabrões e foi, como se vê, o olimpo de majestades cornudas, a ara de alguns daqueles sagrados deuses lusitanos, de que só restam nomes e cascos. Cada vez sei menos de rezas e de santos. Mas quando pressinto pègada do velho Endovélicos, tenho logo vontade de me prosternar e benzer. O catolicismo, sem o Cristo querer, encheu este mundo de cruzes e água benta. Ora os nossos patrícios deuses de chifres eram portadores de uma virilidade mágica, que não nega nem degrada a natureza. Nada de agonias lentas em madeiros de cedro. Água, frutos, sol, e uma divindade fundamentada na verdade feiticeira das coisas.

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 77, 1954, Coimbra.

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