Altar
de Cabrões, 9 de Agosto de 1944
– Estou
a 1536 metros, perto do céu, a ver o Barroso, o Marão, a Peneda, a
Serra Amarela e o Lindoso. Estou sentado num marco que separa
Portugal de Espanha, mas o sítio chama-se Altar de Cabrões e foi,
como se vê, o olimpo de majestades cornudas, a ara de alguns
daqueles sagrados deuses lusitanos, de que só restam nomes e cascos.
Cada vez sei menos de rezas e de santos. Mas quando pressinto pègada
do velho Endovélicos, tenho logo vontade de me prosternar e benzer.
O catolicismo, sem o Cristo querer, encheu este mundo de cruzes e
água benta. Ora os nossos patrícios deuses de chifres eram
portadores de uma virilidade mágica, que não nega nem degrada a
natureza. Nada de agonias lentas em madeiros de cedro. Água, frutos,
sol, e uma divindade fundamentada na verdade feiticeira das coisas.
Miguel Torga, “Diário
III”, pág. 77, 1954, Coimbra.
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