28/08/2018

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Coimbra, 28 de Agosto de 1944 Ontem uma tarde pavorosa, com raios de quilómetros e graniso de arrátel, e hoje uma manhã calma, doce, fresca e conciliante. Uma paz tão completa em tudo, uma serenidade tão autêntica do céu e da terra, que até as próprias couves destroçadas dos quintais se esforçam para disfarçar as comprometedoras lenhaduras do corpo.
E foi esta hipocrisia da natureza que me estragou os nervos. Os coriscos, embora lhes tivesse, como sempre, um terror vergonhoso, aceitei-os; a pedra, embora uma mais desabrida me tivesse magoado, aceitei-a também. Mas este sorriso sonso do cosmos, irritou-me. Achei-o indigno de uma força que pode abanar montanhas e secar mares. Tive a impressão de que estava a ver todas as tartufices dos homens abençoadas e copiadas por Deus.

Miguel Torga, “Diário III”, pp. 79-80, 1954, Coimbra.

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