Coimbra,
28 de Agosto de 1944
– Ontem
uma tarde
pavorosa, com raios de quilómetros e graniso de arrátel, e hoje uma
manhã calma, doce, fresca e conciliante. Uma paz tão completa em
tudo, uma serenidade tão autêntica do céu e da terra, que até as
próprias couves destroçadas dos quintais se esforçam para
disfarçar as comprometedoras lenhaduras do corpo.
E foi esta hipocrisia da natureza que me estragou os nervos. Os
coriscos, embora lhes tivesse, como sempre, um terror vergonhoso,
aceitei-os; a pedra, embora uma mais desabrida me tivesse magoado,
aceitei-a também. Mas este sorriso sonso do cosmos, irritou-me.
Achei-o indigno de uma força que pode abanar montanhas e secar
mares. Tive a impressão de que estava a ver todas as tartufices dos
homens abençoadas e copiadas por Deus.
Miguel Torga, “Diário
III”, pp. 79-80, 1954, Coimbra.
Sem comentários:
Enviar um comentário