22/08/2018

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Arrouca, 22 de Agosto de 1945 A moldura vazia de um Murillo roubado, um cicerone que começa a mostrar um orgão de 1.200 vozes e acaba por levar a gente a uma fábrica doméstica de murcelas, e a princesa D. Mafalda num túmulo de prata, muito reconfortada sobre cochins.
– Está conservada… – insinuei eu, a olhar irònicamente a cera da cara e da mão.
E o funcionário, espicaçado nos seus brios, esclareceu:
– Foi retocada… Autênticos, são só os dentes, as pestanas e as unhas…
Diante desta côrnea e calcárea declaração, ainda cuidei que uma devota que resava ao lado estremecesse. Mas não. A fé pode muito. Tanto, que nem era preciso a igreja ter o trabalho de conservar as pestanas, os dentes e as unhas originais da santa…

Miguel Torga, “Diário III”, pág. 111, 1954, Coimbra.

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