Arrouca,
22 de Agosto de 1945
– A
moldura vazia de um Murillo roubado, um cicerone que começa a
mostrar um orgão de 1.200 vozes e acaba por levar a gente a uma
fábrica doméstica de murcelas, e a princesa D. Mafalda num túmulo
de prata, muito reconfortada sobre cochins.
– Está conservada… – insinuei eu, a olhar irònicamente a
cera da cara e da mão.
E o funcionário, espicaçado nos seus brios, esclareceu:
– Foi retocada… Autênticos, são só os dentes, as pestanas e
as unhas…
Diante desta côrnea e calcárea declaração, ainda cuidei que uma
devota que resava ao lado estremecesse. Mas não. A fé pode muito.
Tanto, que nem era preciso a igreja ter o trabalho de conservar as
pestanas, os dentes e as unhas originais da santa…
Miguel Torga, “Diário
III”, pág. 111, 1954, Coimbra.
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