Após
o estrondoso sucesso do nosso primeiro curso designado por
«Literatura para Vitrinistas» (ver + aqui). Dá-mos início à
abertura das inscrições para este novo curso.
Fomos para isso motivados pelas imensas incongruências, incoerências
e erros históricos que constantemente se encontram nos chamados
filmes de época, ou nas peças teatrais, que também retractando uma
determinada época, são levadas, hoje, à boca de cena. A parca ou
mesmo a falta de pesquisa por parte de quem pretende recriar com
rigor histórico determinado ambiente ou situação passada - leva-nos
constantemente a ver, nos ditos filmes e peças de época, erros de
cronologia que mancham indelevelmente o suposto rigor que deveriam
atender. Constantemente se vê, por exemplo, fulano de tal, numa cena
passada no século XVIII, sentado à sua secretária que até pode
ser de um estilo congruente, mas emoldurado por uma biblioteca cheia
de encadernações que só apareceriam cem ou duzentos anos mais
tarde. Vê-se tipografias e ferros de Arte Nova num filme que
pretende passar-se no século XVII. Pastas feitas com balancés
eléctricos, ou uma encadernação meia amador francesa nas mãos de
um devoto da Idade Média… Pensa-se que basta uma encadernação de
pele gasta, para dar aquele ar antigo, e usado e pouco mais é
necessário para se pintar o retrato há época… Não basta, é
claro!
Mas há outras subtilezas que são ainda mais comuns. Noutro dia
vimos um filme, que por consideração não o vamos nomear, mas que
pretendia com rigor retractar um conflito no século XIX, uma alta
patente militar é interrompido por um subalterno com um requerimento
interno com ordens e instruções estratégicas. Como é que é
apresentado essa missiva? Num sobrescrito quadrilongo e dobrado em
harmónio, ou seja, um formato comercial. Quando se sabe que a forma
oficial dos requerimentos, nessa altura, eram o duma dobragem em
quatro partes iguais com envelopes quadrados destinados para esse
fim. São minudências isto? São minudências ouvir chamar, numa
peça histórica, «Sua Alteza» à rainha quando se sabe que é um
tratamento exclusivo para os seus filhos enquanto principes e
infantes? Sei que são situações que passam ao lado de muitos. Mas
queremos rigor histórico ou não? Poderiamos falar de muitos mais
casos, de expressões de trato usadas incorrectamente, uma coisa
simples como o uso de cores de lacre para selar os invólucros e que
representam diferentes estados de espírito, o negro para uma carta
de luto, o vermelho para uma carta mais intima. Mas não burocrática
ou oficial como se vê muitas vezes representado. Sem falar na
joalharia ou nas coroas que são sempre símbolos representando a sua
determinada casta. A coroa de um duque é tão diferente da dum conde
e por aí fora até à dum rei ou a de um imperador que é bem
diferente da dum rei. São cuidados que se podem aplicar até na
manufactura das coroas de papel de um teatrinho infantil.
Por estas razões. E para orientar os interessados na manutenção
destes rigores que darão uma maior verosimilhança às suas
recriações históricas. Decidimos elaborar este curso que terá
como base a famosíssima obra, que é em si um grande compêndio, da
segunda metade do século XIX – o “O Novo Secretário Universal
Comercial Portuguez”. Os destinatários são os que com o título
do curso são indicados, porém não abrindo ao público em geral
porque o consideramos abstracto fazemos uma excepção, com uma
pequena quota, (não sejam assim com as quotas) para estudantes de
estudos feministas e do género, onde nesta obra poderão encontrar
imenso material e “assumptos” acerca do papel da mulher, ou a
inexistência deste, nas sociedades da altura. Sendo as extrapolações
para a sociedade actual da vossa responsabilidade, ou como se diz nos
direitos de antena: da responsabilidade dos intervenientes.
Estão abertas as Inscrições. Boa sorte!
RAR, 28 de Abril de
2018.
“Das
formulas de tratamentos
Quando
nas regras e observações geraes ácerca do estylo epistolar,
ponderámos, que era necessario attender á qualidade e cathegoria da
pessoa a quem se escreve, dissemol-o, porque o estylo deve ser
adequado aos predicados d’essas pessoas. Agora porèm, que vamos
enumerar succintamente quaes os tratamentos devidos ás differentes
jerarchias, que constituem a sociedade (alguns dos quaes sómente se
acham estabelecidos pelo uso geral que d’elles se faz) cabe-nos
recommendar a maior circumspecção no emprego d’esses tratamentos,
para que de simellhante falta não nasça algum resentimento.
Assim é que quando a carta ou
requerimento fôr feito:
Ao
papa, pôr-se-ha no alto = Santissimo
Padre.
Ao
rei = Senhor.
Á
rainha = Senhora.
Ao
principe, princeza, infante ou infanta1
= Serenissimo
Senhor ou Serenissima Senhora.
Ao
patriarcha = Eminentissimo
e Reverendissimo
Senhor.
Aos
bispos, arcebispos e principaes da Sé = Excellentissimo
Senhor.
Ao
vigario geral = O
mesmo tratamento.
Ao
esmoler mór = O
mesmo tratamento.
Aos
monsenhores = Ill.mo
Reverendissimo Senhor.
Aos
barões, condes, marquezes e duques = Ill.mo
Excellentissimo
Senhor.
Aos
pares do reino = O
mesmo tratamento.
Aos
conselheiros de estado = O
mesmo tratamento.
Ao
presidente do tribunal da relação = O
mesmo tratamento.
Ao
procurador geral da corôa = O
mesmo tratamento.
Ao
procurador regio = O
mesmo tratamento.
Ao
procurador geral da fazenda = O
mesmo tratamento.
Aos
governadores civis dos districtos do reino = Ill.mo
Excellentissimo Senhor.
Ao
presidente da camara dos deputados = O
mesmo tratamento.
Ao
presidente da camara municipal = O
mesmo tratamento.
Ao
presidente da junta do credito publico = O
mesmo tratamento.
Aos
brigadeiros, marechaes de campo, tenentes generaes, marechaes do
exercito = O mesmo
tratamento.
Aos
chefes de divisão, chefes de esquadra, vice-almirantes e almirantes
= O mesmo
tratamento.
A
todos o mais individuos, que occupam uma posição decente na
sociedade, é costume pôr-se no alto da carta Ill.mo
Senhor
e dar-se o tratamento de Senhoria. O vossa
mercê
sôa mal hoje ao ouvido, que se o empregarmos escrevendo mesmo
a pessoas a quem não competisse outro tratamento, esta incuria
beliscaria o melindre de muitos, ou ao menos, a hilaridade de todos.
Ás
senhoras competem os respectivos tratamentos de seus paes, maridos,
etc., e sempre Dom;
no entanto é moda dar-se Excellencia a todas, mui particularmente
nos bailes e saráos. Aquelle, que infringisse hoje este requintado
preceito de urbanidade, passaria por grosseiro e descortez.
Quando
a pessoa a quem escrevemos fôr de consideração e respeito,
deveremos pôr, bem no alto da carta, o tratamento que lhe tocar, e
depois começar a primeira regra a dois terços, pouco mais ou menos,
da altura do papel.
Nas correspondencias familiares não se
exige esta formalidade.
Corpo da Carta
Seria grande incivilidade, especialmente
em uma carta de ceremonia, usar de breves, raspar palavas, ou pôr
entrelinhas.
A polidez tambem exige, que se deixe á
esquerda do papel uma margem larga em branco. Todavia nas cartas
familiares, ou de egual para egual, é dispensavel esta formalidade.
No corpo da carta deve usar-se sem
affectação do titulo ou tratamento devido á pessoa a quem se
escreve.
Assim é que diremos:
Ao papa – Vossa Santidade.
Ao rei e à rainha – Vossa
Magestade.
Ao patriarcha – Vossa Eminencia.
Aos bispos, arcebispos, fidalgos,
titulares, pares do reino, etc. – Vossa Excellencia.
Ás mais pessoas, como atraz dito –
Vossa Senhoria.
Nas cartas de formalidade e ceremonia
devem evitar-se as interrogações; mas se as fizermos será sempre
de um modo respeitoso.
Finais das Cartas
Como são muitas e variadas as maneiras
de rematar uma carta, transcreveremos aqui, para maior facilidade, as
formulas mais usadas, em cujo emprego (escusado seria repetil-o)
devemos sempre ter em vista quaes as relações que temos com a
pessoa a que nos dirigimos:
Sou com o mais profundo
respeito
De V. Excellencia
Attento venerador e criado.
Digne-se V. Excellencia
receber as protestações e respeito de quem tem a honra de ser
De V. Excellencia
Subdito fiel e
respeitoso.
Sou com todo o respeito
e acatamento
De V. Senhoria
Attento venerador.
Aproveito esta ocasião para
repetir mais uma vez que sou
De V. Excellencia
O mais attento
venerador.
Tenho a honra de confessar que sou
De V. Excellencia
Muito venerador e
criado.
Sou com toda a consideração
De V. Senhoria
Respeitoso admirador e
affectuoso criado.
Espero que V. Excellencia não
duvidará nunca da consideração e respeito com que sou
De V. Excellencia
Muito humilde criado.
Digne-se V. Excellencia receber os
respeitosos cumprimentos, de quem tem a honra de assignar-se
De V. Excellencia, etc.
Receba V. Senhoria, com a
sincera expressão do meu reconhecimento, as protestações de
respeito e acatamento com que
De V. Senhoria
Sou com a mais alta
consideração
De V. Excellencia, etc.
Nas correspondências familiares
usaremos das seguintes formulas:
Acredita que sou e serei eternamente
Teu amigo do coração.
Adeus, meu charo, conta sempre com a
sincera amisade e verdadeira estima do
Teu fiel amigo.
Recebe com as expressões de
amizade, que te envio, mil saudades d’este
Teu amigo sincero
podes ficar certo, que a minha
amisade nunca terá quebra, e que sou e serei sempre
Teu amigo, etc.
Para
se empregar com acerto
qualquer d’estas formulas, diremos que a palavra reconhecimento
é a mais propria quando se escreve a um bemfeitor; que aos
superiores devemos respeito; reverencia
aos paes e aos mestres; e consideração áquelles,
que gozam da estima publica pelas virtudes e ponderosos serviços.
Os paes, escrevendo aos filhos, acabam
ordinariamente dizendo:
Teu
pae affectuoso e amigo.
Teu
pae e bem sincero amigo.
Teu pae e unico amigo.
Teu pae muito extremoso.
Ou tua mãe, etc.
Os
filhos, porém, deverão usar de fórmulas respeitosas, como por
exemplo:
D’este
seu filho
Muito obediente e respeitoso.
Sou com a mais profunda veneração,
meu querido pae (ou mãe)
Seu filho (ou filha) muito
affectuoso (ou affectuosa)
Nas cartas que forem dirigidas a pessoas
de respeito e consideração, nunca se accrescentarão post-scriptos.
Como nas correspondencias das
confrarias e associações se costuma usar das mesmas formulas, que
nas publicas ou officiaes, diremos qual é a praxe seguida n’estas,
afim de se poderem empregar quando fôr necessario.
No alto do officio põe-se o tratamento
devido á pessoa; por exemplo: Ill.mo e Ex.mo
Sr., e no fim escreve-se em regra separada:
Deus guarde a V… (Segue-se a data);
logo em seguimento, e n’outra linha, começando da extrema esquerda
do papel, pôr-se-ha:
Ill.mo Ex.mo Sr.
(o nome ou titulo): e bem no fim do papel a assignatura.
N. B. É signal de respeito pôr n’uma
só regra o nome todo da pessoa a quem se officia; bem como deixar um
grande espaço entre este e a assignatura.”
M.A.S.
(org), “Novo Secretario Universal Comercial Portuguez – ou
methodo de escrever toda a especie de cartas”, pp. 16-25, Livraria
J. J. Bordalo, Lisboa, 1874.
1Não
é erro escrever infante ou infanta, porque temos boas auctoridades
tanto para uma como para outra palavra.
Sem comentários:
Enviar um comentário