“Os
misteres de carpinteiro, de estucador, etc., são verdadeiros
sacerdocios; devendo observar-se que durante a construção de um
edificio e em certos estados de adiantamento da obra, os obreiros
praticam certas mysticas ceremonias. Erros de construção, ainda os
mais simples, dão origem a calamitosos resultados. No numero de taes
erros, figura o chamado sakasa-bashira,
viga às avessas. Os carpinteiros empregam escrupulosas attenções
no assentamento
das grandes vigas verticaes das casas japonezas, devendo collocal-as
na sua natural orientação, isto é, taes como se conservavam como
arvores, com a parte sêcca da raiz para baixo, com a parte junto da
rama para cima. A’s vezes, dá-se o equivoco, assentando
a viga… de pernas para o ar, como nós poderiamos dizer. O caso é
dos mais graves. Acontece que o espirito da viga soffre atrozmente
com aquella posição contrariada aos seus instinctos e por longo
tempo
supportada. Pela noute desabafa em gemidos, as fendas da madeira
escancaram-se como outras tantas bôccas afflictas, os nós abrem-se
como outros tantos olhos espantados. Contorcendo-se em desesperos, a
viga estremece e abala a casa toda; fura pelas paredes, penetra nos
aposentos, offerecendo-se à visão dos locatarios, adormecidos, em
fórmas diabolicas. E notai que este fracasso redunda em constantes
maleficios, traduzindo-se em infortunios domesticos, em zangas, em
disputas, que só
cessam quando o mal é conhecido e se chama um carpinteiro, que dá
então à viga torturada a posição appetecida.”
Wenceslau
de Moraes, “Cartas do
Japão”, pág. 97, Imprensa de Portugal-Brasil, s/d, Lisboa.
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