Fialho D'Almeida por Columbano Bordalo Pinheiro |
“ (...)
Vencidos os cursos scientificos, em vez de seguir, como os meus
condiscipulos, nas facilidades profissionaes que elles fomentam
cometti a tolice de me lançar na vida literaria, de querer viver por
uma penna donde continuamente espirravam revoltas, e que fatalmente
havia de me agravar as dificuldades do caminho. Tendo escrito desde
então, cerca de mil e trezentas paginas por anno, o que reprezenta
uma actividade rara num paiz onde a bagagem literaria é um livro de
versinhos e meia duzia d'artigos laudatorios, apenas consegui na
opinião de muitos dos meus contemporaneos «arranjados»,
a reputação dum desequilibrado indolente, que arma á sensação
por via do galicismo, e dum prosador colerico, prohibido do sucesso
pelo mau séstro de não poder ser lido por senhoras.
(…)
Tornando
ás letras, os meus proprios amigos repararam no caracter
fragmentario dos meus escritos, e os mais ferozes me accusam
d'intrometter fézes humanas nas tintas duma paleta onde só deveriam
esmair suavemente as côres do espectro. O primeiro ponto é bem
notado, eu mesmo me entristeço de até á hora presente não ter
senão uma efemera bagagem de historietas d'espuma e artigos «mais
ou menos verrineiros». Pouco importa que essa obra faça o melhor de
cinco ou seis mil paginas, e represente a fadiga de mais de quinze
annos de nervos excitados. O publico entre nós não divinisa senão
fabricantes de grandes calhamaços (criterio natural num paíz onde a
leitura é toda de lombadas), e mesmo que eu fizesse
naquelles pobres bocados, maravilhas, passaria sempre por um
chronista aguado das futilidades mansas do meu tempo.
(…)
A
cada instante abordam-me os ingenuos – mas porque não escreve você
um livro inteiro? Um grande romance, um quadro critico?...
Imaginam
que esses trabalhos se abordam com a inconsequencia e a rapidez de
vinte ou trinta paginas; mal comprehendem que sejam precisos longos
mezes d'estudo, annos de concentração, paciencias benedictinas de
factura, e durante todo esse tempo quem é que garante aos desprovido
escritor, o passadio, e depois da obra feita, quanto dá por ella o
editor, ou mesmo quem é que a edita, não havendo em Portugal senão
trezentas pessoas
capazes de pagar até seis tostões por exemplar?
(…)
Na
literatura, princezas, não ha nem pode haver palavras sujas. O que
ha é assumptos sujos, assumptos pulhas, deleterios assumptos, que os
escritores não inventam, e fazem parte do dia a dia
da cidade, assumptos enfim de que a linguagem escrita é apenas o
impreterivel signal graphico."
Fialho
D'Almeida, “Á
Esquina – jornal d'um
vagabundo”pp.
XVI, XVIII, XXV, Livraria
Clássica Editora, 1921, LX
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