“ESTE
excelente hotel é muito antigo; já nos tempos do rei Clovis se
morria lá em algumas camas. Agora morre-se em 559 camas. Em série,
naturalmente. Com tão enorme produção, é claro que a morte
individual não é tão bem acabada, mas isso também não interessa.
O que conta é o número. Quem é que hoje dá ainda importância a
uma morte bem executada? Ninguém. Até os ricos, que se podiam dar
ao luxo de morrerem com todos os matadores, começam a tornar-se
desleixados e indiferentes; o desejo de ter uma morte pessoal está-se
a tornar cada vez mais raro. Mais algum tempo ainda, e tornar-se-á
tão rara como uma vida pessoal. Meu Deus, aqui há de tudo!
Chega-se, encontra-se uma vida prontinha, é só vesti-la. Quer-se
partir ou é-se forçado a fazê-lo: ora, nada de esforços!: Voilà
votre mort, monsieur. Morre-se
como calha; morre-se a morte que pertence à doença que se tem (pois
desde que se conhecem todas as doenças sabe-se também que os
diferentes remates letais pertencem às doenças e não aos homens; e
o doente já não tem, por assim dizer, nada que fazer).
Nos
sanatórios, onde se gosta tanto de morrer e com tanta gratidão por
médicos e enfermeiras, morre-se uma das mortes empregadas no
estabelecimento; isso é de bom tom. Mas
quando se morre em casa, é natural escolher aquela morte cortês da
boa sociedade, com a qual começa já por assim dizer o enterro de
primeira classe e toda uma série das suas belíssimas exéquias. E
então os pobres ficam
parados diante de uma tal casa e fartam-se de ver. A morte deles é
naturalmente banal, sem cerimónias. Dão-se por felizes quando
encontram uma que sirva mais ou menos. Pode ficar larga: sempre se
cresce um poucochinho. Só quando ela não aperta bem sobre o peito
ou esgana um bocado, então é que é mais custoso.”
Rainer
Maria Rilke, “Os
Cadernos de Malte Laurids Brigge”, pp.8-9, Ed. Instituto Alemão da
Universidade de Coimbra, 1954. Trad.
Paulo Quintela.
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