04/06/2016

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“ESTE excelente hotel é muito antigo; já nos tempos do rei Clovis se morria lá em algumas camas. Agora morre-se em 559 camas. Em série, naturalmente. Com tão enorme produção, é claro que a morte individual não é tão bem acabada, mas isso também não interessa. O que conta é o número. Quem é que hoje dá ainda importância a uma morte bem executada? Ninguém. Até os ricos, que se podiam dar ao luxo de morrerem com todos os matadores, começam a tornar-se desleixados e indiferentes; o desejo de ter uma morte pessoal está-se a tornar cada vez mais raro. Mais algum tempo ainda, e tornar-se-á tão rara como uma vida pessoal. Meu Deus, aqui há de tudo! Chega-se, encontra-se uma vida prontinha, é só vesti-la. Quer-se partir ou é-se forçado a fazê-lo: ora, nada de esforços!: Voilà votre mort, monsieur. Morre-se como calha; morre-se a morte que pertence à doença que se tem (pois desde que se conhecem todas as doenças sabe-se também que os diferentes remates letais pertencem às doenças e não aos homens; e o doente já não tem, por assim dizer, nada que fazer).
Nos sanatórios, onde se gosta tanto de morrer e com tanta gratidão por médicos e enfermeiras, morre-se uma das mortes empregadas no estabelecimento; isso é de bom tom. Mas quando se morre em casa, é natural escolher aquela morte cortês da boa sociedade, com a qual começa já por assim dizer o enterro de primeira classe e toda uma série das suas belíssimas exéquias. E então os pobres ficam parados diante de uma tal casa e fartam-se de ver. A morte deles é naturalmente banal, sem cerimónias. Dão-se por felizes quando encontram uma que sirva mais ou menos. Pode ficar larga: sempre se cresce um poucochinho. Só quando ela não aperta bem sobre o peito ou esgana um bocado, então é que é mais custoso.”

Rainer Maria Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, pp.8-9, Ed. Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, 1954. Trad. Paulo Quintela.

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