12/06/2016

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MANHANS BRUMOSAS


Aquella, cujo amor me causa alguma pena,
Põe o chapeo ao lado, abre o cabello á banda,
E com forte voz cantada com que ordena,
Lembra-me, de manhan, quando nas praias anda,
Por entre o campo e o mar, bucolica, morena,
Uma pastora audaz da religiosa Irlanda.

Que linguas fala? A ouvir-lhe as inflexões inglezas,
Na nevoa azul, a caça, as pescas, os rebanhos! –
Sigo-lhe os altos pés por estas asperezas;
E o meu desejo nada em epoca de banhos,
E, ave de arribação, elle enche de surprezas
Seus olhos de perdiz, redondos e castanhos.

As irlandezas teem soberbos desmazelos!
Ella descobre assim, com lentidões ufanas,
Alta, escorrida, abstracta, os grossos tornozelos;
E como aquellas são maritimas, serranas,
Suggere-me o naufragio, as musicas, os gelos
E as redes, a manteiga, os queijos, as choupanas.

Parece um «rural boy»! Sem brincos nas orelhas,
Traz um vestido claro a comprimir-lhe os flancos,
Botões a tiracollo e applicações vermelhas;
E á roda, n'um paiz de prados e barrancos,
Se as minhas maguas vão, mansissimas ovelhas,
Correm os seus desdens, como vitellos brancos.

E aquella, cujo amor me causa alguma pena,
Põe o chapeo ao lado, abre o cabello á banda,
E com a forte voz cantada com que ordena,
Lembra-me, de manhan, quando nas praias anda,
Por entre o campo e o mar, catholica, morena,
Uma pastora audaz da religiosa Irlanda.



Cesário Verde, pág. 50.

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