O
país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes
estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres
corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a
conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há
nenhuma solidariedade entre cidadãos. Ninguém crê na honestidade
de homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média
abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está
na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina
dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos
ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Toda a
vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as
almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretarias
para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce.
As quebras (ler: depressões) sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria
enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário
diminui. A renda (rendimento disponível = à poupança) também
diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão
e tratado como um inimigo.
Neste
salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora
o aluguel. A agiotagem explora o juro. A ignorância pesa sobre o
povo como uma fatalidade. O número das escolas só por si é
dramático. O professor é um empregado de eleições. A população
dos campos, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinha
e de vinho, trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura
decadente, puxa uma vida miserável, sacudida pela penhora:
ignorante, entorpedecida, de toda a vitalidade humana conserva
unicamente um egoísmo feroz e uma devoção automática. No entanto
a intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência
enfastiada. Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da
opinião com padre-nossos maquinais.”
Eça de Queiroz e
Ramalho Ortigão, “Farpas 1” em Maio de 1871.
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