ilustração de Lima
de Freitas
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Que vens contar-me
se não sei ouvir
senão o silêncio?
Estou parado no
mundo.
Só sei escutar de
longe
antigamente ou lá
pró futuro.
É bem certo que
existo:
chegou-me a vez de
escutar.
Que queres que te
diga
se não sei nada e
desaprendo?
A minha paz é
ignorar.
Aprendo a não
saber:
que a ciência
aprenda comigo
já que não soube
ensinar.
O meu alimento é o
silêncio do mundo
que fica no alto das
montanhas
e não desce à
cidade
e sobe às nuvens
que andam à procura de forma
antes de
desaparecer.
Para que queres que
te apareça
se me agrada não
ter horas a toda a hora?
A preguiça do céu
entrou comigo
e prescindo da
realidade como ela prescinde de mim.
Para que me lastimas
se este é o meu
auge?!
Eu tive a dita de me
terem roubado tudo
menos a minha torre
de marfim.
Jamais os invasores
levaram consigo as nossas torres de marfim.
Levaram-me o orgulho
todo
deixaram-me a
memória envenenada
e intacta a torre de
marfim.
Só não sei que
faça da porta da torre
que dá para donde
vim.
José de
Almada-Negreiros in “Tesouros da Poesia Portuguesa”, org. António
Manuel Couto Viana, p.289, Editorial Verbo, 1983.
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