NATAL DE 1950
Nenhum Natal será
possível: sei
que tudo enfim
suspenso aguarda
não já Natais
sempre de guerra mas
mas a morte
iluminada como aurora
entre esta gente que
se junta rindo
e as luzes
interiores, muitas cabeças juntas;
entre lágrimas de
ternura e os murmúrios de esperança,
entre as vozes e os
silêncios, as pedras e as árvores,
entre muralhas de
janelas sob chuva,
entre agonias dos
que lutam porque são mandados
e a cobarde angústia
dos que apenas mandam,
no meio da vida,
círculo de fogo,
à luz de que se vê
uma calçada suja
de restos de comida
e de papéis rasgados
– se sei, embora
saiba, quanto soube:
ah canto do meu
canto, olhar do meu olhar,
Nenhum Natal, bem
sei, mas outra gente,
e tanta gente, e
mesmo que um só fosse,
já louco,
envelhecido, apenas hábito,
que podeis fazer,
senão humildemente
cantar?
Jorge de Sena in
“Poemas de Natal”, coord. Manuel Miranda, p. 38, PEC –
Biblioteca Povo e Cultura, s/d.
foto de Eduardo Gageiro |
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