De
novo me sento agora num restaurante ao ar livre no banco comprido dos
comensais de fruto sobre o ar atónito dum empregado coxo e associal.
Devo estar mais branco que a cal da casa onde nasci. Um prato de
sardinhas e todo o vinho que há peço rapidamente. Depressa me
servem e depressa me embebedo. Automaticamente reclamo igual latim e
de novo o calor do vinho me inunda a cabeça como se o meu corpo cego
fermentasse debaixo de lontras. Então disparatadamente é a noite e
logo me levanto ao sinal entorpecido começo a caçar lentamente as
ruelas que conduzem inevitavelmente à Plaza 18 de Julio que agora
sei deserta e impopular. Depressa ultrapasso um bêbado que se quer
deitar acima duma janela uma tímida zaragata e uma cena de ciúmes
com dois dedos cortados num charco de sangue diante duma casa
aparentemente respeitável. Habitualmente é de meu costume parar e
degustar o acontecimento até ele cheirar mal até me vir essa raiva
imunda de saber que as coisas podiam ser mais longe é nessa altura
que parto mas agora o expectorar tais falácias era como se as visse
através duns monásticos gemelos de teatro ou do ponto de vista duma
penélope frugalíssima. Quando chego à entrada da praça a primeira
delicadeza vai para o abandono apoteótico da gravata como se com
este gesto de repentina solidariedade eu entrasse no âmbito duma
sociedade secreta e inefável. Depressa me sinto imunizado contra
todas as procissões religiosas.
Manuel
da Silva Ramos / Alface, “As Noites Brancas do Papa Negro”, pp.
36-37, A Regra do Jogo Edições, Lisboa, 1982.
Quando
esfola a sopa faz um barulho de seara para embalar ao fim da última
colherada no chiar fervente do carro de bois.
É
dado ao melão e às tiras dos ribeiro onde os tomates tardivos têm
o gosto do bago maltês o mesmo que os pulhas chamam coração de
boi.
É
taciturno por causa da perruma.
Deita
um foguete quando come carne.
As
petas que diz são outras tanta silvas onde as amoras se comem.
No
baile desaperta só as humidosas.
Nos
baptizados pula.
Fica
de foragido nos casamentos.
Adoece
nos funerais e quando alguém nasce é ele o primeiro a tomar banho.
Quando
os cantarolas chegam à sua porta já ele deixado para último os
espera com um copo vazio não mão. É que não lhes pode dar outra
coisa.
E
enquanto os teimoços lhe voltam as costa ele entorna a sorrir
glugluglu a garrafa da outra mão. No primeiro degrau cairá um litro
de água. No outro o pingo canónico da conservação ou se preferem
o clarão do vinho misturado.
Manuel
da Silva Ramos / Alface, “As Noites Brancas do Papa Negro”, p.
68, A Regra do Jogo Edições, Lisboa, 1982.
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