11/01/2015

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De novo me sento agora num restaurante ao ar livre no banco comprido dos comensais de fruto sobre o ar atónito dum empregado coxo e associal. Devo estar mais branco que a cal da casa onde nasci. Um prato de sardinhas e todo o vinho que há peço rapidamente. Depressa me servem e depressa me embebedo. Automaticamente reclamo igual latim e de novo o calor do vinho me inunda a cabeça como se o meu corpo cego fermentasse debaixo de lontras. Então disparatadamente é a noite e logo me levanto ao sinal entorpecido começo a caçar lentamente as ruelas que conduzem inevitavelmente à Plaza 18 de Julio que agora sei deserta e impopular. Depressa ultrapasso um bêbado que se quer deitar acima duma janela uma tímida zaragata e uma cena de ciúmes com dois dedos cortados num charco de sangue diante duma casa aparentemente respeitável. Habitualmente é de meu costume parar e degustar o acontecimento até ele cheirar mal até me vir essa raiva imunda de saber que as coisas podiam ser mais longe é nessa altura que parto mas agora o expectorar tais falácias era como se as visse através duns monásticos gemelos de teatro ou do ponto de vista duma penélope frugalíssima. Quando chego à entrada da praça a primeira delicadeza vai para o abandono apoteótico da gravata como se com este gesto de repentina solidariedade eu entrasse no âmbito duma sociedade secreta e inefável. Depressa me sinto imunizado contra todas as procissões religiosas.

Manuel da Silva Ramos / Alface, “As Noites Brancas do Papa Negro”, pp. 36-37, A Regra do Jogo Edições, Lisboa, 1982.



Quando esfola a sopa faz um barulho de seara para embalar ao fim da última colherada no chiar fervente do carro de bois.
É dado ao melão e às tiras dos ribeiro onde os tomates tardivos têm o gosto do bago maltês o mesmo que os pulhas chamam coração de boi.
É taciturno por causa da perruma.
Deita um foguete quando come carne.
As petas que diz são outras tanta silvas onde as amoras se comem.
No baile desaperta só as humidosas.
Nos baptizados pula.
Fica de foragido nos casamentos.
Adoece nos funerais e quando alguém nasce é ele o primeiro a tomar banho.
Quando os cantarolas chegam à sua porta já ele deixado para último os espera com um copo vazio não mão. É que não lhes pode dar outra coisa.
E enquanto os teimoços lhe voltam as costa ele entorna a sorrir glugluglu a garrafa da outra mão. No primeiro degrau cairá um litro de água. No outro o pingo canónico da conservação ou se preferem o clarão do vinho misturado.


Manuel da Silva Ramos / Alface, “As Noites Brancas do Papa Negro”, p. 68, A Regra do Jogo Edições, Lisboa, 1982.

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