Guillaume Apollinaire |
A BRANCA NEVE
Os anjos os anjos no céu
Um está vestido de oficial
O outro faz de cozinheiro
Os restantes um coral
Belo oficial da cor do céu
A doce primavera depois do Natal
Condecorar-te-á com um belo sol
Um belo sol
O cozinheiro depena os gansos
Ah que caia
a neve
E eu tenha
em breve
A minha bem-amada entre os meus braços
p.18 (Alcools)
O GATO
Na minha casa desejo ter
Uma mulher que imponha a sua razão
Um gato passeando por entre livros
E porque sem eles não posso viver
Amigos seja qual for a estação
p.20 (Le Bestiaire au
Cortège d’Orphée)
AS JANELAS
Do vermelho ao verde morre o amarelo
Quando as araras cantam nos bosques natais
Destroços de pihis
Há que fazer um poema sobre um pássaro que
tem uma só
asa
Enviá-lo-emos telefonicamente
Traumatismo gigante
Faz com que os olhos se humedeçam
Eis aqui uma linda rapariga entre as jovens de Turim
O pobre rapaz assoava-se na sua gravata branca
Correrás a cortina
Abrirás depois a janela
Aranhas quando as mãos teciam a luz
Beleza palidez insondáveis violetas
Tentaremos em vão descansar
Começaremos à meia noite
Quando há tempo há liberdade
Caramujos Lota múltiplos sóis e o Ouriço do poente
Um velho par de sapatos amarelos em frente da
janela
Torres
As torres são as ruas
Poços
Os poços são as praças
Árvores ocas que abrigam as cabritas vagabundas
Os Carneiros cantam árias agónicas
As Cabras castanhas
E o ganso uá-uá trompeteia no norte
Onde os caçadores de ratinhos
Raspam as peles
Diamante resplandecente
Vancouver
Onde o comboio branco de neve e de fogos
nocturnos
foge do inverno
Oh Paris
Do vermelho ao verde morre o amarelo
Paris
Vancouver Hyéres Maintenon New York e
as Antilhas
A janela abre-se como uma laranja
O belo Fruto da luz
pp. 24-25 (Calligrammes)
Guillaume Apollinaire nasceu em Roma, a 26 de Agosto de 1880. A sua mãe
era de ascendência polaca. Aos vinte anos ei-lo em Paris, interessado pela
actualidade literária revelando então simpatias anarquistas. Escreve,
entretanto, novelas eróticas para sobreviver. O seu amor não correspondido está
na base da «Canção do mal-amado». Entre os seus amigos em Paris nessa altura
contam-se Picasso, Henry Rousseau, Henri Delaunay, André Salmon e Alfred Jarry.
É em 1911, acusado de cumplicidade no roubo da Gioconda. Em 1912 sai a sua
primeira recolha poética - «Alcools». Com o advento da Primeira Grande Guerra
faz uma petição para ser incorporado no exército francês. Acaba por ser ferido
na cabeça pela explosão de um obus. Em 1918 publica «A Linda Ruiva», uma
espécie de testamento poético inspirado em Jacqueline Kolb, modelo de Picasso,
com quem viria a casar-se. A 9 de Novembro 1918 sucumbe à gripe que assola Paris. É
sepultado no cemitério Pére Lachaise. Tinha 38 anos.
Traduções de Jorge de Sousa Braga in Guillaume Apolinaire, “O Século das Nuvens”, Hiena, Lisboa, 1989.
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