07/08/2012

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Estatueta Cicládica do 'escultor Kontoleon',
c. 2000 AC.


É UM ROSTO PURO…
               
                Há um instante olhei-me atentamente ao espelho e, mesmo examinando-me de perto, achei-me melhor de cara – é verdade que era à luz da tarde e que tinha a fonte luminosa atrás de mim, de forma que só a penugem que me cobre a orla das orelhas estava verdadeiramente iluminada – do que sou segundo o meu próprio conhecimento. É um rosto puro, harmoniosamente modelado, de contornos quase belos. O negro dos cabelos, dos sobrolhos e das órbitas brota como uma coisa viva da massa do rosto que está na expectativa. O olhar não é de modo nenhum devastado, não há o menor indício disso, mas também não é infantil, dir-se-ia antes incrivelmente enérgico, a menos que não tenha sido muito simplesmente observador, já que eu estava precisamente a observar-me e que queria meter-me medo.

F. Kafka (Diário, pág. 310).

                É VERDADE QUE FAÇO TEATRO…
               
                Kafka tem grandes olhos cinzentos sob espessos sobrolhos escuros. O seu rosto moreno é cheio de vida. Kafka exprime-se através do rosto. Quando pode substituir a palavra por um movimento dos músculos do rosto, fá-lo. Um sorriso, a aproximação dos sobrolhos, o enrugamento da testa estreita, o avanço ou o recuo dos lábios – são movimentos que fazem as vezes duma frase pronunciada.
                Franz Kafka ama os gestos e é por isso que os mede. A sua mímica não constitui uma duplicação das palavras ou o acompanhamento duma conversação, mas a palavra duma espécie de linguagem móvel, um meio de comunicar, não um reflexo passivo, mas bem pelo contrário uma expressão voluntária e adaptada aos seus fins.
                Cruzar as mãos, apoiar as palmas sobre o mata-borrão da secretária, recostar confortavelmente mas não obstante sem abandono a parte superior do corpo contra o espaldar da cadeira, adiantar a cabeça e levantar ao mesmo tempo os ombros, levar as mãos ao coração, eis alguns meios de expressão que emprega com economia, acompanhando-os sempre dum sorriso que se desculpa, como se quisesse dizer: «É verdade, confesso que faço teatro, mas espero que o meu teatro lhe agrade. E não faço teatro senão para criar durante um curto instante uma cumplicidade entre você e mim…»

GUSTAV JANOUCH, (Kafka m’a dit, trad. do francês de Clara Malraux).

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