NOITES DE PRIMAVERA NO BOULEVARD
Quando em tardes d'Abril, à luz crepuscular,
Saio de casa e vou buscando um apouco d'ar,
Que tumulto na rua! e que inferno de gente,
Que levam mil paixıes, confusa, douda, ardente!
É um mundo que sai, parece, das visões
De Dante ou S. João, ruindo entre baldıes
Dum círculo infernal para outro mais profundo,
E outro, e dez, e mil, buscando sempre o fundo!,
E, em volta; a luz vibrante e vívida do gás
Inunda a multidão, inimiga da paz!
Sai desta confusão uma horrível poesia,
Uma volúpia atroz, uma estranha magia,
Que irrita, acende e -faz os sentidos arder.
Exalação magnética, aromas de mulher,
O contacto que excita, um fluido de desejos,
E como que no ar um trocar-se de beijos,
Sem destino e sem dono, ardentes e cruéis ...
É o povo, outra vez, das antigas Babéis, É Gomorra, outra vez, e o lago de Sodoma,
E as Bacantes febris da desgrenhada Roma,
Com mais força somente, e essa nova paixão
Que sai do foco a arder da Civilização!
Sim, há paixão ali, e vida, intensa vida
Por, mil caminhos vãos espalhada e perdida,
Mas magnética, activa e enchendo todo o ar
Dum fluido de delírio, em vórtice a girar ...
Em volta da cidade È como uma cintura
De loucura e d'amor, sobre a extensão escura ...
É outro o mundo ali! outra ideia! outro ser!
O Bem, o Mal, não têm o aspecto que usam ter ...
O vício é formosura.- o vício é poesia -,
Parece a criação ter por lei a folia,
E sentidos, e alma, e tudo, em confusão,
Bradam: – “O Universo, é filho da paixão!
Amai, vivei, clamai! rugi, se nos rugidos
Há uma força mais, que levante sentidos!
Se o VÌcio n„o bastar, no Crime pode haver
Magia e atracção e fonte de prazer!
Em nós habita Deus!,- o mais, matéria morta!
Que o mundo caia em volta e se alua, que importa?”
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E lá de cima o céu, imenso e fundo, está
Olhando, com olhar d'estrelas, para cá...
Mas o mais triste, ó céu! ó astros! é que o abismo,
Que tenho em torno a mim, é no que penso e cismo!
A vertigem também minha alma me tomou ...
Sinto o terrível fluido ... e vou, e vou, e vou ...
E desejo e estremeço ... e o delírio parece
Que me enche o coração, e a vida me endoidece!
Sim! a Paixão governa e o Prazer é rei!
O mundo é artifício! - e, incerto, nem já sei
Se estes bicos de gás são realmente estrelas,
Ou só bicos de gás essas esferas belas!
Paris: Abril de 1867.
[Antero de Quental]
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