16/12/2010

Guerra em Paz


A Barba


A barba é o meu gato. Afago-a

nesse jeito de quem passa os dedos

pelo dorso de um bichano. Eu sei

que estou a tocar num tigre: a barba

encrespa-se, revolve-se mesmo.

Ondas, campos de milho, searas,

também conhecem afago igual.

Mas este gato rebelde, a minha barba

apenas, é agora tudo a que me prendo.

Mestres já me dizem do excesso

de assim me virar para dentro.

Não! É para fora! Mora a barba

noutras eras, noutro espaço. É ela

que me afaga a mim: a última ternura.

Eduardo Guerra Carneiro in Profissão de Fé, p.28, Quetzal Editores, Lx, 1990

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