23/11/2015

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OS MEUS GATOS


eu sei, eu sei
eles são limitados, têm diferentes
necessidades e
interesses

mas eu vejo e aprendo com eles
eu gosto do pouco que eles sabem,
e que é
tanto.

eles queixam-se mas nunca
se preocupam,
eles caminham com uma surpreendente dignidade,
eles dormem com uma franca simplicidade que
os humanos simplesmente não podem
compreender.

os olhos deles são mais
bonitos que os nossos olhos.
e eles conseguem dormir 20 horas
por dia
sem qualquer
hesitação ou
remorso.

quando me sinto
em baixo
tudo o que tenho de fazer é
olhar para os meus gatos
e a minha
coragem
regressa,

eu estudo estas
criaturas.

eles são os meus
professores.


Charles Bukowski

17/11/2015

Letra em saque...


CURSIVO INGLÊS

Continuavam as aulas de caligrafia
da dona Otelinda com o seu
aparo de lança n.° 120,
molhado de tinta azul, a deslizar
em torneadas maiúsculas
no papel almaço. Continuavam
apesar das máquinas de escrever
da sala 8, para as alunas mais
adiantadas.

No cursivo inglês
que talvez Pessoa tivesse aprendido,
caligrafávamos: Amigo e Senhor e
de Vossa Senhoria, Atenciosamente.

Depois nas aulas de francês e inglês
aprendíamos – já sem caligrafia – e
regressadas à esferográfica (que
Pessoa não conheceu) as
mesmas cantigas de amigo. Havia
sempre um Dear Sir ou um Cher
Monsieur
para redigir carta
sobre a letra a receber ou
a pagar avec nos salutations,
les plus distinguées.


Letras com um sacador
e um sacado, que se tornava
sempre o aceitante, até
à data do vencimento.


Inês Lourenço, “O Segundo Olhar (Antologia)”, p. 25, Companhia das Ilhas, 2015.

14/11/2015

V...


V

Túrgida-mínima
Como virás, morte minha?

Intrincada. Nos nós.
Num passadiço de linhas.
Como virás?

Nos caracóis, na semente
Em sépia, em rosa mordente
Como te emoldurar?

Afilada
Ferindo como as estacas
Ou dulcíssima lambendo

Como me tomarás?


Hilda Hirst, “Antologia da Poesia Brasileira Contemporânea”, pág. 170, INCM, 1986.

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04/11/2015

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"Felicidade" é ir ver a Sasha e evitar a estrela porno-gráfica...

Conferência — 5 de Novembro de 2015 às 21:30
O prazer na arte - Sasha Grey
Sasha Grey

Moderação: Julião Sarmento
Teatro Municipal Rivoli, Grande Auditório Manoel de Oliveira








Conferência — 7 de Novembro de 2015 às 16:00
Teatro(s) da felicidade - Matilde Campilho


Moderação: Pedro Sobrado
Teatro Nacional São João



Mais Informações AQUI

aqui

01/11/2015

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Lero-Lero

Sou brasileiro
de estatura mediana
gosto muito de fulana
mas sicrana é quem me quer
porque no amor
quem perde quase sempre ganha
veja só que coisa estranha
saia dessa se puder

Eu sou poeta
e não nego minha raça
faço verso por pirraça
e também por precisão
de pé quebrado
verso branco rima rica
negoceio dou a dica
tenho a minha solução

Não guardo mágoa
não blasfemo não pondero
não tolero lero-lero
devo nada pra ninguém
sou esforçado
minha vida levo a muque
do batente pro batuque
faço como me convém

Sou brasileiro
tatu-peba taturana
bom de bola ruim de grana
tabuada sei de cor
4 x 7
28 noves fora
ou a onça me devora
ou no fim vou rir melhor

Não entro em rifa
não adoço não tempero
não remarco o marco zero
se falei não volto atrás
por onde passo
deixo rastro deito fama
desarrumo toda trama
desacato satanás

Diz um ditado
natural da minha terra
bom cabrito é o que mais berra
onde canta o sabiá
desacredito
no azar da minha sina
tico-tico de rapina
ninguém leva o meu fubá

Cacaso,” Beijo na boca e outros poemas”, pp. 154-5, Brasiliense, São Paulo, 1985.

31/10/2015

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UM LABREGO EM NOVA IORQUE

Algumas meditações de Mickey M.
sobre a moralidade Yanquee

– O polvo e o ornitorrinco
Ernesto o ornitorrinco honesto passa debaixo do apartamento do bruto Sharkey, o polvo.
– Ó polvo, diz o ornitorrinco, eu gostava de ser invertebrado como tu...
– Puet! Replica o polvo  com tédio.
Moral:
TILT !!


UM LABREGO EM NOVA IORQUE (versão B)


Um labrego em Nova Iorque? Quem pode captar a labiríntica maravilha desta frase? Qual o sortilégio alquímico? Que pode (na mente do público) estabelecer o contacto entre o significante e o significado? Um signo? Pois é precisamente neste ponto que nos vai falar o dr. X (como preferiu apresentar-se um homeostético homeotípico):
– «É preciso criar um mito!»

Seremos nós os assumidores e eternos defensores desta causa que é a poesia hábil, bem feita e prometaica? (e para uma situação idêntica, se bem que situada noutra dimensão, advinham-se as nobres «Farpas» do nosso saudoso Eça).

Qual a razão de ser de tudo isto?

é bélico
é profético
é feérico
é mítico
é mirífico
é magnífico
é quimérico!

(…)

As autostradas cruzam-se como esparguete, e os belos edifícios nauseantes abrem-se ao chegar ao chão. Dentro de um elevador uma menina devora um espelho. É o regresso à labuta de cada dia!

Os caboverdianos fazem competição de escarros verdes. A omoplatina ficou desmaiada de tanto tempo apaixonada como um serrote! Um serrote? É um símbolo, como um pente de cabo de tartaruga.
Ao diabo as majorettes! E o nosso amigo come um hamburguer no Pimp's. A servente tem umas mamas extraordinárias e o meu bigode ensebado de molho de tomate. A selva! O labirinto! As ruas e os subterrâneos! Que bela cidade! Num canto um grupo de porcos devora uma roda dentada.

As veias no rosto do cavador de enxada parecem saltar como fogo de são Telmo. O homem maneja com desespero a sua centrifugadora, tudo para fazer sumo de cenoura as gaivotas perdem pêlo e a cidade adquire tonalidades purpurinas. Um garrafão desliza pesadamente sobre o plástico quitchinéte e o mickey mouse pausa as palavras que pedem, em rumores, as baratas na concertina.

(…)

(arrastando:)
mas para quê desvendar
a boa obra (de art)
se tal coisa é desventurosa
(ou mesmo)
só aconselhada aos consagrados
poetas (os eternos)
é moderno
é desusado
é pandeireta
é pato assado (1)

(1) – festas homeofrenéticas de um deboche lúcido, lânguido, calmo e feroz

Pretendemos, com a embriaguez do nosso lúcido discurso, comprometer irremediavelmente a alma impura do vulgar observador de art e a condescendência do POVO (sentimento artístico animal).

Cada obra deverá ser para o estimado indivíduo público um espelho de Alice.

Acalentamos a esperança... qual esperança!!!... certeza!!! que esta quixotesca família engordará e se transformará em Baccus e de Baccus em Saturno e de Saturno em etc e finalmente (em Esculápio) no todo poderoso Zeus!

Crêdes, consagrado público, que a nossa cruel ânsia se tornará, como tudo, em sócia da eterna cloaca nacional?

Não, portuguezes!
pois nós somos os nossos próprios
deuses! 


Fernando Brito e Manuel João Vieira, “Portugal Alcatifado Canções Anormais”, pp.76-8, &etc, 2012.

A Brasileira...